Qual foi a última vez que uma greve dos funcionários privados abriu o noticiário? É difícil responder, porque também é difícil acontecer. E porquê? Por causa de uma combinação de factores simples: estes trabalhadores não têm tempo nem capacidade financeira para a chamada política de rua. Se a máquina sindical se fizesse ouvir em manifestações, talvez o sector tivesse a merecida representatividade nos ecrãs. Entretanto, o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) vai fazendo o que pode, lançando propostas de reivindicação no respectivo website.
Horários de trabalho “constantemente alterados” e inexistência de “horários rotativos” são duas das queixas que os trabalhadores do Pingo Doce da Avenida dos Estados Unidos da América apresentam na página do CESP. Por seu turno, os funcionários do Minipreço/Clarel dizem que as situações de “assédio, intimidações e perseguições” são comuns na empresa. E, no Jumbo de Almada, a redução de pessoal levou a “ritmos de trabalho cada vez mais intensos com enorme sobrecarga de trabalho”. Perante esta realidade, o respeito pelo direito à conciliação entre a vida profissional e familiar acaba por ser um pedido transversal dos funcionários de todas estas empresas.
Quanto ao sector público, 2017 será o ano em que o salário volta a ser pago na totalidade ao longo dos 12 meses. Não era assim desde 2010, mas nem tudo são boas notícias: a inflação fará com que esta camada da população não tenha o mesmo poder de compra de há sete anos e a subida do IRS vem agravar a situação. Por isso, os funcionários públicos andam na rua a manifestar (tal como vimos no passado dia 18). Contudo, ainda que com uma clara diminuição do poder de compra, este sector continua a auferir vantagens. Estabilidade no emprego, protecção na doença, mais férias e menos horas de trabalho são benefícios que os funcionários do Estado vêem mais facilmente assegurados do que outros trabalhadores.
Enquanto as diferenças entre os dois sectores ora se esbatem, ora se agudizam, Portugal está a braços com contratos precários que rondam os 50% desde o primeiro trimestre de 2012. O número foi dado por Renato Carmo, investigador do Observatório das Desigualdades, em declarações ao Expresso e a conclusão foi peremptória: “A precariedade está a tornar-se sistémica e afecta o funcionamento da sociedade”.
E, nesta sociedade desigual, os funcionários públicos continuam a ter força mediática, enquanto os privados vão calando vozes, com medo de perder o emprego. No meio de tudo isto, caminha-se para o acentuar da precariedade. Mais depressa num lado do que noutro.