Morreu Fidel Castro. Goste-se ou não, marcou o século XX. Cuba passou a ser outro país, um bastião da diferença, o símbolo da luta. Aquela ilha, descoberta por um português, que recebeu o nome da sua terra natal, deixou de ser o “bordel” dos Estados Unidos e iniciou um novo caminho. Mas vamos com calma para se entenderem todos os passos até se chegar à etapa final.
O século XX apresenta características únicas que marcarão, para sempre, a História da Humanidade. Em 1914, um estudante sérvio assassinou o Arquiduque Francisco Fernando e será a marca, simbólica, do início de uma guerra sem precedentes. Passará a ter o nome de I Guerra Mundial e só terminará 4 anos depois, em 1918, com a derrota da Alemanha e a ascensão dos Estados Unidos da América.
Em 1917, uma revolução abala o Mundo. Na Rússia Czarista, o regime é abanado em Fevereiro e derrubado em Outubro. Lenine, líder dos bolcheviques, toma o poder e inicia a Ditadura do Proletariado. Uma nova sociedade surge, defendo ideais novos, como uma sociedade sem classes e a ausência de propriedade privada. A guerra, que juntou várias nações, não mudou tanto a sociedade como estes 10 dias que alteraram tudo por completo.
Os loucos anos 20 aligeiraram o ambiente negativo e assustado que se vivia. O medo da propagação do comunismo, nova forma política que governava a URSS, provoca, por um lado, pânico e, por outro, um total e completo alheamento da realidade. Viver ao máximo será o mote da época e a política ficará nos gabinetes e com quem dela se quiser ocupar. Surge a ideia de que os comunistas comem crianças ao pequeno almoço.
Em 1929 nasce Fidel Castro, filho de um rico fazendeiro e de uma criada, o que não foi bem visto pela família legítima. Curiosamente o seu pai era de origem galega e foi um migrante, hoje teria o nome de refugiado, em busca de uma vida melhor. Teve uma educação exemplar num colégio jesuíta, onde entrou aos 8 anos de idade. Antes dessa idade, que coincide com o seu baptismo, era apelidado de porco judeu, por não ter recebido o sacramento inicial. Rapidamente se torna um aluno exemplar e interessado no mundo que o rodeia, sendo o primeiro a desportos.
Hitler e Staline acordam entre si não invadir a Polónia, o que é desrespeitado pelo primeiro, em 1939. Será este o evento que originará uma outra guerra, a II Guerra Mundial, que atinge proporções ainda maiores do que a anterior. Novas armas são usadas e novas técnicas de guerrilha permitem que em, 1944, o desembarque dos Americanos, na Normandia, assegure a vitória que só se concretizará no ano seguinte. Termina o conflito com nova derrota dos Alemães e uma ascensão, cada vez maior, dos Estados Unidos da América.
O mundo divide-se em 2 blocos: o capitalista e o comunista. Apesar da contenda bélica estar, oficialmente, terminada, o medo e a desconfiança nunca deixarão os sobreviventes viverem em paz. Posteriormente mergulha-se numa nova era, a chamada Guerra Fria, que se pautou pelo aspecto psicológico das ameaças e dos boatos. Existia uma espécie de Cortina de Ferro, como lhe chamou Churchill, entre os dois lados do mundo.
Em 1945, Fidel inscreve-se na Universidade para estudar Direito. Habituado a um regime de pacatez e organização, que os jesuítas lhe tinham proporcionado, encontra uma desordem que o perturba e, ao mesmo tempo, cativa. Vive uma vida desafogada e verifica como o urbanismo galopante toma conta das pessoas. Todos se desinteressam da realidade e vivem o imediato. Viajando pelos países da América Latina verifica que o ódio pelo neo-colonialismo americano é crescente. É, então, que se apercebe que a doutrina dos padres, a raiva ao comunismo, não correspondia à realidade. Olha para essa corrente política como forma de libertação dos oprimidos.
Em 1950, termina o curso e abre um escritório em Havana. O Partido Comunista cubano é minoritário e ele sente necessidade de fazer algo em prol do seu povo. Em 1952, Fulgêncio Batista auto-proclama-se Presidente de Cuba, tendo ficado conhecido como Mister Yes, devido à clara ligação aos americanos e aos apoios recebidos. Fidel vê o momento de agir e cria “O Movimento”, a guerrilha, que organiza com vista à libertação imediata.
A 26 de Julho de 1953 dá-se o desastre do assalto ao quartel de Moncada, onde morrem 64 dos seus 123 homens. Consegue fugir, mas, inevitavelmente, é capturado e preso. Escreve a sua tese “A História me absolverá”, onde explica a sua luta. Inicia-se deste modo: “Nunca um advogado foi compelido a exercer a sua profissão sob condições mais difíceis; nunca, contra um acusado, foi cometido maior número de opressivas irregularidades. Aqui, defensor e réu são uma e a mesma pessoa. Na qualidade de advogado de defesa foi-me negado deitar sequer uma única vista de olhos ao processo. Na qualidade de acusado, estive, durante os últimos sessenta e seis dias, preso, no segredo, incomunicável numa evidente violação de qualquer consideração legal e humana.”
No México conhece Che Guevara, um médico, que se alia à sua luta e será o seu braço direito. A 25 de Novembro de 1956, o grupo que, entretanto, conseguiu formar, parte para a libertação da ilha, chegando a 2 de Dezembro ao destino. São 84 homens extenuados que desembarcam em Playa Colorada. Fulgêncio é deposto. Em 1959, Fidel assume a liderança de Cuba.
Os Estados Unidos da América declaram um bloqueio económico e o episódio mais emblemático foi a invasão da Baía dos Porcos, em 1961, onde cubanos dissidentes, treinados pela CIA, sofrem um valente revés. Kennedy, convencido que será uma situação temporária e que tudo se resolverá facilmente, encomenda charutos cubanos para 6 meses e só após os ter recebido assina a ordem de embargo. Engano total. Não fazia ideia de que estava a lidar com um homem irredutível e determinado. Vitória ou morte!
Fidel alia-se aos Soviéticos, permitindo que instalem novas armas na ilha. Esta é a chamada Crise dos Mísseis, tornando-se um marco na Guerra Fria, que se inicia em 1962. A luta continuava entre os Russos e os Americanos, mas agora com Cuba de permeio. Aquilo que parecia um incidente veio a mostrar ser uma luta ferrenha e vigorosa. Fidel terá sempre o apoio dos soviéticos e os americanos nunca mais conseguirão dominar o território.
Cuba torna-se no primeiro país da América Latina onde a taxa de mortalidade infantil decresce até níveis mínimos, o nível de desenvolvimento humano atinge um valor elevadíssimo devido ao facto do analfabetismo estar erradicado, bem como a desnutrição infantil. Ainda hoje é o país onde existem mais médicos por quilómetro quadrado e onde a prática e o exercício da medicina continua a ser solicitada pelo mundo inteiro.
Diz-se que foi um ditador totalitário, que não soube abrir os olhos e não ver mais além. Diz-se tanta coisa de toda a gente e de todos. Inicialmente, para conseguir direccionar o país, optou por uma economia planificada, permitindo apostar nos sectores mais necessitados e urgentes. Entre eles estavam a saúde e a educação, os pilares, a base de uma nova sociedade que se pretendia justa e adequada aos seus conterrâneos.
Falou-se da supressão da liberdade de imprensa e de expressão, que havia controlo total dos meios de comunicação. O certo é que se sabia o que acontecia naquela ilha do Atlântico. E como? Através da imprensa e das falsas notícias que os que não o aceitavam propagavam. Apontam-lhe defeitos e qualidades, algo quase impossível de não acontecer com qualquer ser humano. Tudo isto numa só pessoa.
Como homem, simples mortal, teve uma vida privada muito atribulada e vários filhos de mulheres diferentes. Casamentos teve 2 sendo que o primeiro foi numa idade tão jovem que ele próprio se sentia envergonhado da atitude que tomara. Era uma pessoa tímida, o que pode parecer antagónico pois mostrou sempre muito à vontade perante o povo.
Foi Primeiro Ministro de 1959 a 1976 e Presidente de 1976 a 2008. Em 2006, estando já bastante fraco, na sequência de uma queda, passa a responsabilidade do Governo para as mãos do seu irmão Raul Castro. Foi, igualmente, dirigente do Movimento dos Não-Alinhados, entre 1979 e 1983. Por essa altura surge o Internacionalismo Médico Cubano, onde se afirma que o capital humano é prioritário e mais importante que o capital económico. Cuba responde a todos os apelos de ajuda médica e é pioneira no tratamento de algumas doenças.
É acusado de ser o responsável pelo êxodo de mais de um milhão de cubanos e pelo empobrecimento da economia do país. O certo é que Cuba foi, é e continuará a ser um destino turístico de excelência, o que permite a entrada de capitais e consequente enriquecimento dos cofres do estado. Não existe época baixa, o que quer dizer que este turismo está em alta todo o ano, não apresentado períodos de enfraquecimento.
Com o fim da URSS, Fidel volta-se para outro tipo de políticas, outras preocupações que se tornam mediáticas, como a defesa do ambiente. Torna-se um defensor da anti-globalização mostrando que Cuba continua irredutível e única. Em 2000, estabelece alianças com outros países da América Latina, a chamada ” Onda Rosa “, criando assim, laços mais fortes com os seus vizinhos.
Morre a 25 de Novembro de 2016 com 90 anos. O seu funeral terá lugar no dia 4 de Dezembro e o corpo será cremado. Foi, entretanto, decretado luto nacional durante 9 dias. Deixa de existir um líder carismático que governou com pulso de ferro o país, durante 49 anos apesar de, na realidade, terem sido 58 pois a sua presença era constante em todos os actos oficiais.
O que teve este homem de diferente de todos os outros dirigentes políticos? Foi amado e foi odiado por muitos. Os extremos tocaram-se e as opiniões não podiam ser mais opostas. Se para uns ele representou o herói moderno, o libertador, aquele que nunca vergou e que levou a vitória até ao fim, para outros ele representa o ditador, o homem que lhes retirou as suas liberdades e os seus direitos fundamentais.
Em 1962, o Vaticano excomunga-o, o que faz com que ele proíba a celebração do Natal. Contudo, o mundo gira e volta a girar e, em 1998, recebe a vista de João Paulo II, acompanhando-o em todos os actos oficiais, incluindo uma missa celebrada por ele. Para quem teve oportunidade de ver, a chegada do Papa a Cuba foi um momento emblemático da história recente, permitindo assim uma abertura que se pensava impossível de conseguir.
Nos últimos tempos de vida, Fidel reconhecia que o modelo não estava a funcionar e que se sentia responsável pela perseguição aos homossexuais cubanos, devido aos movimentos mais radicais. Enfraquecido pela saúde e pela idade, acabou por se recolher dando lugar ao seu irmão como dirigente. Mas terá sido assim?
Cuba, terra dos Charutos, dos puros, da Salsa, da Rumba e do Mambo, terra de Compay Segundo e de Pablo Milanes não mais será a mesma. O sol voltará a nascer, como é óbvio, mas o carisma e a marca do campeão ensombrará aquele calor que deixará de ser como anteriormente. Morre velho, não deixando uma marca de mistério, de podia ser mas sim de foi e de fez. Não há romantismo neste final, somente realidade.
Viva a Revolução! A marcha da Humanidade não pára! Hasta siempre Comandante!
Condenai-me, pouco importa. A História me absolverá!