Queres ser amada ou desejada?
Cristina Campos, escritora barcelense, transporta-nos para o mundo das relações conjugais. As que temos e as que desejamos, pela teia do romance Histórias de Mulheres Casadas (finalista do Prémio Planeta em 2022). Mediante personagens sólidas preenchidas com pormenores que as diferenciam, entramos no mundo do amor e do desejo. Dos segredos que acabamos por ocultar dos outros e de nós próprias.
A questão da infidelidade feminina e masculina, da sexualidade, do erotismo, do que parece certo e errado, do amor e do desejo ou a falta dele. As três personagens principais, Gabriela, Sílvia e Cósima, amigas e parceiras de trabalho, vivem fases das suas vidas com as quais, muitas de nós, pode-se identificar.
Gabriela, quarenta e quatro anos, tem um casamento de vinte, aparentemente, sólido. Não tem dúvidas quanto ao sentimento que a une a Gérman. Ele implora-lhe sexo uma vez por mês. Ela concede. O filho de ambos absorve-os e, ao mesmo tempo, permite escapar de momentos mais íntimos por ela indesejados.
É uma personagem de personalidade genuína, marcada pela busca do significado e da autenticidade na sua vida. Trabalha como jornalista freelancer numa coluna dirigida ao público feminino. A rotina equilibrada entre a vida familiar e a profissional, é perturbada por uma paixão arrebatadora que começa por uma troca de olhares que, mais tarde, se lambuza numa cama a transbordar de prazer e a estimular a sensualidade. As experiências multiorgásmicas são labaredas de um desejo animal de puro desfrute carnal que muito justificam a compra de lingerie preta ousada. Só para Pablo. Para as quintas-feiras até domingo, enquanto o marido está fora, em trabalho, e a mãe a pode ajudar a tomar conta do filho. Contudo, a infidelidade não a pacífica. “O Germán não merece”.
Silvia surge sem tabus, mesmo que isso desafie as normas sociais e culturais. De mãe cuidadosa a esposa prática, vive uma relação homossexual que não assume por completo, mas que lhe dá um prazer imensurável. O contraste entre as duas facetas, numa ação indefinida, remete para caminhos que as mulheres podem percorrer na busca da felicidade e da realização como ser sexual ativo, longe das obrigações da procriação.
O casamento acaba por prevalecer não como uma capitulação, antes como o reconhecimento da sua complexidade. Apesar de ter explorado a sua sexualidade e vivido intensamente uma relação extraconjugal, acaba por priorizar o matrimónio, reinventando o amor e a lealdade.
Cósima, por sua vez, é a amiga rica, elegante e sofisticada ligada ao mundo da alta sociedade. Casa com um homem influente e poderoso na convicção de ser amada e desejada. Rapidamente percebe que a resposta às suas expectativas é deveras negativa. Não tarda a descobrir a infidelidade, a sofrer por causa dela e a ver diminuída a sua autoestima. Também não tarda a engendrar estratégias que nunca lhe haviam passado pela cabeça para descobrir quem é a outra. A dor é profunda, mas a superação torna-se regeneradora num caminho inesperado.
No final, Gabriela opta por ficar com o marido que nada quis saber sobre o seu amante, ainda que tenha reagido com frieza e distanciamento. Na consulta de psicanálise o comentário do terapeuta é perentório “Brincaste com o fogo, Gabriela, e queimaste-te. O desejo é traidor”. O casal segue para Boston onde Gérman teve uma oferta de trabalho irrecusável. Como refúgio, Gabriela inicia a escrita de um romance numa rotina infernal: “O filho. Escrever. Nadar. O silêncio do marido”; “O filho. Escrever. Nadar. O silêncio do marido”; “O filho. Escrever. Nadar. O silêncio do marido”…
“O amor como matéria-prima literária” nas diversas abordagens é intemporal. O sentimento que se quer mais genuíno, que nos levanta os pés do chão, nos ejeta até às nuvens e, não raras vezes, nos deixa cair de tropeção, une e rasga tecidos emocionais.
Esta obra acompanhou-me num período de enorme reflexão quanto à minha vida pessoal. Entrecruzei-o com outras duas. Uma mais antiga, Mulheres de olhos Grandes de Angeles Mastretta e Manual de Infidelidade de Miguel Gameiro, mais recente cuja leitura considero altamente recomendável. “O poder das palavras existe. E, nós mulheres, precisamos dele”.
“Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico”
É muito bom ver retratado este universo feminino. Afinal somos tão diferentes e tão iguais, desculpem a expressão estafada, mas que para mim diz tudo.
Tão interessante. Fica a dúvida: o que prende as mulheres a estes casamentos? Será mesmo os maridos?