A Sociedade da Neve é um filme baseado na história verídica do desastre aéreo do voo 571 da Força aérea uruguaia em 1972. O avião que transportava uma equipa de Rugby, bem como alguns dos seus amigos e familiares do Uruguai para o Chile. O avião acabou por cair nas montanhas dos Andes, depois de colidir no cume de uma montanha. Dos 45 passageiros que o avião levava a bordo, apenas 29 sobreviveram. Destes 29, alguns acabaram por morrer e apenas 16 foram resgatados ao fim de 72 dias.
Mundialmente conhecido como o “Desastre dos Andes” esta é uma história real de drama, sobrevivência e esperança. Por tudo que acarreta, ao longo dos anos, inspirou a escrita de vários livros, documentários e alguns filmes.
Eu já me tinha deparado com a história, num outro filme, “Vivos”, um filme americano de 1993. Todavia, desta vez a história foi contada pelo realizador Juan Antonio Bayona, que começou a trabalhar no filme desde 2011 e se inspirou no livro “La Sociedad de la nieve” de Pablo Vierci (jornalista e amigo dos sobreviventes). Com um orçamento de 60 milhões de euros, Juan Antonio Bayona, coutou a história, de uma forma que ela ainda não tinha sido contada. Bayona, queria focar-se essencialmente naqueles que perderam a vida nas montanhas e não voltaram.
O filme revelou-se um sucesso (praticamente nem teve divulgação), é um filme penoso, de suspense e sobrevivência. Quem conhece a história, sabe que o filme de Bayona, transpira realismo por todos os lados.
A discussão do filme prende-se com questões entre a sobrevivência ou a ética e a moralidade. “A Sociedade da Neve”, é um filme de duas horas e vinte e cinco minutos no qual, o espetador não tem sossego. É um filme, pesado e angustiante desde o início até ao fim. Damos por nós imersivos no filme, numa perspetiva tão íntima que sofremos e sentimos o medo e o pânico juntamente com os personagens.
Um dos pontos fortes, deste filme e quem conhece a história sabe que os sobreviventes, tiveram de recorrer ao canibalismo para sobreviver. Ao contrário do que acontece no filme “Vivos” de 1993, “A sociedade da Neve”, abordou este assunto delicado e trabalhou-o no filme com a maior delicadeza (o que rendeu vários elogios a Bayona). O assunto, é apenas observado à distância ou acontece fora da tela.
O filme explora de forma impressionante o medo de cada uma das personagens sobre esta questão. Para quem achava que o filme apenas iria focar no canibalismo, acabou por se deparar com uma história profunda, altamente humanizada e até filosófica. A questão dos sobreviventes é comer ou não comer a carne humana para sobreviver? Outro aspecto, bastante positivo do filme, é que este não apresentou nenhuma cena traumática sobre esta questão. Uma vez, que não, nos podemos esquecer, que o filme de Bayona, retrata um caso verídico. Há pessoas que viveram aquilo de verdade.
Apesar de ser um filme tenso, o filme consegue algo extraordinário. Um equilíbrio perfeito entre ser pesado e ao mesmo tempo inspirador. É impossível ver o filme e não ficar com ele na cabeça. O filme, aborda o medo, a aflição, a esperança, o desespero, o que é assustador e sufocante para cada uma das personagens. Mas de uma forma que nos conecta e apela à reflexão.
Ao longo da sua trajetória a longa – metragem de Bayona indo-nos a ideia de que não haverá salvação nem esperança. É, aqui que os efeitos visuais do filme, especialmente a cena da queda do avião intensifica esta ideia. E, nos mostra a pequenez do ser humano perante o perigo da natureza.
Outra coisa que o filme de Bayona introduziu no filme, é que não há personagens principais. Todos eles, são personagens com a mesma importância, e aborda um a um. E, para cada vítima coloca na tela, a fotografia, o nome complecto, a idade da morte de cada um. O que torna tudo mais triste.
O realizador Juan António Bayona tem precisamente esta capacidade de pegar nos efeitos visuais, no brio técnico e projectar a história na tela da forma mais realista possível. Já conhecemos esta técnica no filme de 2012 “Impossível” que relata o tsunami na Tailândia.
Contudo, para realizar este trabalho exemplar, o realizador conta com a ajuda do director de fotografia Pedro Luke, que redimensiona o sofrimento humano, tanto nas panorâmicas externas. Que nos dão a dimensão da força da natureza perante aqueles seres humanos tão pequenos. Tanto nas partes internas, ao mostrar o pânico dos sobreviventes, da claustrofobia, principalmente na cena da avalanche. Através do qual amplifica o sofrimento e mostra a humanidade de cada um deles. Mas, também a ajuda do compositor Michael Giacchino que fez a trilha sonora que ao longo do filme combina com o sofrimento, o drama e alguma esperança das personagens.
Atualmente, ainda estão vivos 14 dos 16 sobreviventes do acidente e contribuíram para o desenvolvimento do filme. Bayona, realizou extensas entrevistas com eles, de modo, a retratar a história o mais verídica possível. E, estes, também estiveram presentes nas filmagens para ajudar a preparar o elenco.
Os actores que interpretaram os sobreviventes foram actores uruguaios e argentinos, sem experiência internacional. Para tornar a história mais real, os atores tiveram de perder peso (sob supervisão médica), para recriar o estado físico dos personagens. Depois de tantas semanas em condições adversas. Para além disso, também tiveram contacto com os sobreviventes e alguns familiares deles.
Outro ponto favorável, foi a escolha de Bayona para narrador do filme. Que recaiu sob Numa Turcatti, um dos sobreviventes. Que acabou por morrer poucos dias antes de serem resgatados. Quem deu voz a Numa Turcatti foi o actor uruguaio Enzo Vogrincie. Esta escolha arriscada de Bayona reflete uma abordagem diferente. A intenção do cineasta era enfatizar a história dos mortos em detrimento dos sobreviventes. O facto de Numa Turcatti ser o narrador é um reflexo mais forte do papel daqueles que não conseguiram voltar para casa.
O filme de Bayona foi mundialmente lançado a 4 de janeiro de 2024 na Netflix. E foi bem recebido quer pelo público, quer pela crítica. E, está selecionado como representante espanhol para o óscar de melhor filme internacional de 2024.
Para que o filme, não ficasse demasiado longo (mesmo assim, já tem 2h:25), o realizador, teve de adaptar ou excluir algumas cenas. Deixo-vos algumas curiosidades.
Algumas Curiosidades:
- IMPRENSA: o filme acabou por não mostrar a repercussão sensacionalista que a imprensa deu ao acontecimento depois do resgate. Como, por exemplo, as especulações de que os sobreviventes teriam assassinado outros passageiros, para se alimentar dos corpos deles.
- RESGATE: o resgate, foi ligeiramente alterado. A operação de resgate aconteceu em duas fases. Não, apenas em uma como mostra o filme. Numa primeira fase, o helicóptero levou apenas metade dos sobreviventes. Enquanto uma equipa, permaneceu por mais uma noite no local do acidente com os restantes sobreviventes. Que só foram resgatados no dia seguinte.
- PILOTO: com o embate do avião, o piloto teve morte imediata e não chegou a falar com nenhum dos sobreviventes, como nos mostra o filme.
NOTA: este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico.