Sentia-se como num deserto embora não conseguisse ver mais do que alguns metros à sua frente. A floresta era densa e a manhã estava clara. O sol já tinha subido alto mas escondia-se acima do topo das abóbadas formadas pelas copas das árvores. Era a humidade que se entranhava na pele ao invés do calor de mais um dia. O sol esse, era uma personagem de um conto que cai no esquecimento à medida que nos esquecemos das palavras.
Sentia-se como num deserto, porque estava só. Era um deserto de tons verdes e castanhos, as cores com que se pintam as florestas. Com que se pintam todas as árvores, todas as plantas, musgos, cogumelos, troncos caídos e a realidade. Pessoas não. Ali era só ele e o seu destino era desbravar um caminho que ainda não conhecia. E a sua sobrevivência era alimentar-se da floresta que tão depressa o enchia de vida como a ameaçava de forma contundente.
As mãos ásperas seguravam o machado gasto. Instrumento imprescindível para desbravar o caminho. Gasto mas ainda e sempre eficaz com a sua lâmina de fino recorte e metal puro como cada uma das machadas que dava no troco de mais uma árvore.
Cada árvore era um obstáculo no caminho e depois de caída era um assunto resolvido. Tantas eram as árvores, tantos eram os obstáculos. Cada pessoa que conhecera era uma árvore que ele precisava de derrubar. Poucas eram as que o protegeram em vez de o ferirem. Cada machadada era um palavra, um dedo em riste, uma decisão tomada por vezes em força. Fixa no solo com as suas raízes a alimentarem-se, uma árvore era uma pessoa que o segurava e não o deixava encontrar a felicidade. Interrompia-lhe a vida quando tudo o queria era viver e encontrar essa felicidade. Coisa tão simples quando temos força para a querer mais do que apenas desejar.
Mais uma árvore caída era não só mais uma pessoa afastada, era também mais uma copa derrubada para deixar entrar a luz do sol. A luz do astro rei, aquela luz que aquece os corações e acorda as almas. Quantas mais copas desaparecidas mais energia penetrava na floresta, mais intensa a luz se tornava e vais visível o caminho se vislumbrava. Visível mas nem por isso fácil de percorrer.
Nada que o demovesse. Ele não desistia nunca. Machadada atrás de machadada, árvore atrás de árvore, luz cada vez mais intensa. Até ao dia em que essa luz intensa projetava-se não do sol mas da própria floresta, alguns metro à sua frente. Uma ou duas árvores já não conseguiam escondê-la e depressa ele tinha-a à sua frente.
Uma fonte de luz, uma fonte de calor, uma fonte de energia. Um unicórnio vestido de paixão e pintado de amor. Um ser mágico, porque magia foi o que ele encontrou quando ela também o encontrou.