Dizem que o homem rotineiro é o homem enfadonho, sem espaço para criatividade ou margem para desaguo de ideias novas. O ser deixa o “ser”, quando a sua vida passa pelo “ter”, em vez de o “querer” do momento. Não há espaço para encontros casuais, hipóteses loucas e sentidos desconhecidos. Tudo está previamente designado, determinado, definido e estabelecido. Somos os que escolhem meios, medidas e planos para concretizar e enfrentar os nossos medos, sonhos e ilusões. Pensamos em tudo e tudo é pensado ao detalhe, quer seja do milímetro, ao centímetro, chegando aos quilómetros que tanto almejamos alcançar. Desde novos que nos ensinam a programar, agendar, pensar e raciocinar, fazendo escolhas perfeitas, bem pensadas e nada alternadas. Estamos no mundo da rotina, um mundo que não passa de desprezível, imprestável e demasiado estável, segundo uns. Um mundo que veneramos, na nossa loucura planejada, sem que daí saiamos cansados.
As opiniões divergem quanto aos modelos de organização. Em primeiro, todos buscamos aquela felicidade imediata, que concretiza as necessidades, vai ao encontro de desejos e luta pelos nossos interesses. Somos egoístas, a curto prazo. E é quando este sentimento evolui, sustentado pelo sonho de uma maior realização a longo prazo, que as coisas se complicam, mudam, transformam e impõem uma decisão. Deverei eu estabelecer uma rotina?
Uma rotina nada mais é do que sucessivos passos lógicos, que se seguem de horas e momentos planeados, conscientemente, sem lugar a inconsciências. Assim, vamos definindo os nossos dias, arrastando e suportando o nosso trabalho, a nossa familia, as crianças que choram e os pais que nos enlouquecem. Assim, vamos suportando o corre-corre do dia-a-dia, do quotidiano interminável. Vamos vivendo do lado oposto à imaginação, acondicionados no nosso conforto, na nossa segurança, sem muitos passos incertos, quando o certo é aquilo que prevemos. Pelo menos, é isso que eles dizem.
E, agora, esta é a verdade por detrás desses planos, folhas, horários e compromissos a cumprir. Dentro de nós, não vive uma agenda, um lápis e uma borracha, que com a ajuda da imaginária régua tudo determina e estabelece. Nós somos aqueles que buscam a criatividade nas mais básicas leis do universo, garantindo que a imaginação não deixa espaço a tempos perdidos. Nós não nos limitamos a sonhar acordados, perdidos na desorganização do vai-que-não-vai das 24 horas, de que todos dispomos. Nós queremos o mundo no dia, os sonhos numa hora e a felicidade num segundo. Planeamos, com base na felicidade, uma rotina que nos dá segurança na imaginação que dispomos, conforto no amor a nós próprios e deixando que a agenda seja o nosso guia, para o caso de nos perdermos.
Engana-se quem pensa que a rotina não mais é do que meros actos gélidos, frios de personalidade, com traços cansativos sem ter onde se sustentar. Ela apoia-se no amor ao que fazemos, no sonho real que vivemos. Porque ao acordar sabemos que: às 8 horas temos de estar a ler o jornal para buscar a inspiração que precisamos; às 9 horas estamos no trabalho a lutar pelo que gostamos e a fazer o que queremos; às 12 horas estamos a aterrar em frente ao prato que nos dará os nutrientes para o dia que conquistamos; às 14 horas estamos de volta aos encargos que assumimos com dureza, mas precisão de alegria, ganhando segundo a segundo aquele que ficou paralisado com o medo do tédio e do aborrecimento; às 18 horas estamos em casa, com os miúdos a berrar por ter de fazerem os trabalhos de casa, sabendo que vê-los triunfar no futuro, sendo felizes com a educação que lhes transmitimos e a formação que lhes incutimos, será uma missão cumprida, um sonho realizado e a prova de que a magia acontece; às 20 horas estamos a cozinhar, a deixar tudo queimar, num esforço constante para aguentar os últimos momentos de um presente que será a base do futuro que queremos; às 22 horas estamos na cama, com o marido, a pensar no próximo dia, semana, mês, ano e décadas, seguros de que damos passinhos em direcção ao melhor.
Uma rotina não é composta por encontros, encargos e pesados enfados. Uma rotina é composta por momentos de felicidade, diferentes à sua maneira, naquela que será a experiência de vida que nos dará a sabedoria a transmitir. Todos os dias, quando me levanto da cama, abandonando o quente dos meus lençóis, o forte dos meus cobertores, a terna almofada, sei que estou a sonhar acordada. Mais do que sobreviver, perdida em sonhos acordados, estou a viver a rotina dos meus sonhos.
A rotina começa com uma agenda e um relógio, dentro de nós mesmos, onde não basta apontar os sonhos que possuímos, mas planejamos a sua concretização. E o leitor? Já planeou o seu futuro hoje?