Nasci em Lisboa há quase 40 anos e vivo em Lisboa há quase 40 anos. A zona de Almirante Reis é a minha casa desde sempre e em quase 40 anos já assisti a incontáveis alterações de dinâmicas na minha zona. Já foi uma zona perigosa, ligada à toxicodependência e à prostituição. Já foi uma zona que renasceu das cinzas e se transformou em galeria de arte urbana bastante atractiva para o turismo.
Actualmente, com a crise económica pandémica e com a guerra na europa, voltou a ser uma zona suja, decrépita e que serve de parque de campismo para pessoas em situação de sem abrigo. Estas alterações na zona da Almirante Reis têm réplicas por toda a cidade, principalmente nas zonas mais antigas. A velha Lisboa cantada por Amália deixou de existir para dar lugar a uma Lisboa onde sobra muito pouco espaço para os lisboetas.
O Chiado, o Bairro Alto, e os Restauradores estão entregues a um turismo desenfreado que chega a Lisboa com a promessa de uma cidade histórica onde se come bem e bebe barato. Já Alfama, a Mouraria e o Martim Moniz são bairros habitados por migrantes que se sujeitam a morar aos 20 numa casa que não tem uma intervenção digna há 50 anos e que pode desmoronar-se a qualquer momento.
O trânsito é cada vez mais caótico, agravado por ciclovias feitas à pressão e com o único objectivo de receber as transferências bancárias de fundos europeus verdes. Os passeios continuam esburacados fazendo com que uma caminhada com um carrinho de bebé seja uma autêntica prova de todo o terreno (nem vamos entrar no campo das pessoas com mobilidade reduzida). Encontrar um jardim com um parque infantil em condições ou uma esplanada que não esteja suja é uma tarefa quase impossível. Percorrer a cidade de forma simples e rápida de transportes públicos é uma dor de cabeça. Uma pessoa solteira com 40 anos e que ganhe o salário médio tem de continuar a viver com os pais pois não tem forma de pagar uma renda na cidade e um jovem casal que queira ter mais que um filho tem de o inscrever logo na primeira ecografia na creche porque a gratuitidade não é para todos.
Lisboa, com a sua luz quase etérea e a sua simpatia marota, expulsa os que a seguram e os que sempre a mantiveram à tona. Dá o braço ao turista encharcado em cerveja que parte copos, goza com a sua antiguidade e passeia de tuk-tuk. Lisboa, não se cuida nem se valoriza, abre as pernas a quem lhe dá mais dinheiro mesmo que isso signifique alterar a sua essência. Lisboa é boa para inglês ver, para quem cá mora só sobra o desencanto de uma cidade cara, desorganizada e suja.
Lisboa sempre me apaixonou mas tenho receio de um dia a encontrar na fila do registo civil pronta para trocar o seu nome próprio Maria, por Jennifer.