Uma viagem de autocarro e cada pessoa no seu mundo. Uns a ler, outros agarrados aos telemóveis, uns conversam com os outros e os lugares ficam cheios de vida. O motorista com um ar pitoresco, farto bigode branco, careca, alto, uma voz muito particular e carregada. No ouvido direito, mora um auricular de telemóvel.
A viagem faz-se com cada pessoa no seu mundo, na sua vida e bolha. Até que entra uma mulher com a expressão cansada. Daquelas que denuncia a falta de sono. Com ela, entraram três crianças. Uma vinha a fazer birra, como se o mundo acabasse amanhã. Gritava em plenos pulmões. Quis sentar-se e caiu. Chorou ainda mais e contagiou a mãe, que, já lavada em lágrimas, lhe pedia para sossegar. À volta, os olhares deixaram de estar nos telemóveis e nos livros. As pessoas reclamavam e julgavam sem dó.
“É por isto que depois lhes tiram as crianças.“
“Há sempre quem não sabe ser mãe.“
“Mais valia não ter tido nenhum. Não aprendeu, quando teve os mais velhos?“
Foi assustadora a velocidade a que as pessoas saíram dos seus mundos, para entrarem sem permissão, no de alguém que não conhecem.
Ao meu lado não havia ninguém sentado. Levantei-me para ajudar. Pedi autorização para isso. Conversei com o menino da birra, enquanto a mãe organizava as mochilas e sacos dos mais velhos.
É o Miguel. Contou-me que tinha ido levar hoje “uma pica no braço” e até me mostrou o penso, como sinal de bravura, enquanto os adultos – aqueles que dizem ser crescidos – continuavam a vomitar insultos à mãe, perante os filhos. As picas podem causar rabugice. Tal como o sono e tudo ou nada. Para não o deixar sozinho no banco, acompanhei a família até saírem. Isto dos novos passes leva-nos para mais longe.
A mãe contou-me que está sozinha com os três filhos, desde o início do ano. Separou-se do pai. Foi ele que a deixou. Agora trabalha em muitos sítios. “Estou num supermercado e vou lavando escadas em tudo o que aparece. Mas sabe? Isto é muito cansativo. Eles não têm culpa nenhuma. Não mereciam ouvir o que as pessoas disseram.” Abracei-a, enquanto tinha o Miguel ao colo. Levar picas é sinónimo de colo, tal como faço com os meus.
É verdade, não mereciam, mas as pessoas e esta tendência nada bonita de se meterem na vida dos outros, em vez de se preocuparem em ajudar… Criticar é sempre tão fácil. Tão simples.
Caso vejam alguma mãe cansada, principalmente na presença dos filhos, experimentem perguntar se podem ser úteis. A boa educação vai dizer-vos que não, mas a vossa sensibilidade vai mostrar-vos onde e como devem actuar. Se assim não for, estejam calados!