Situada na República Árabe Síria, as ruínas da monumental cidade de Palmyra encontram-se hoje no meio de um deserto. Porém, durante o Império Romano, há dois mil anos, a cidade era uma metrópole cultural e comercial, onde afluíam rotas mercantis que ligavam a Pérsia, a Índia e até a China ao Império Romano e cujas influências são visíveis ainda hoje na arquitectura urbana que chegou até aos nossos dias, fazendo parte da lista do património mundial (UNESCO), desde 1980.
A principal questão que se coloca foi a de como a cidade conseguiu prosperar no meio do deserto, ainda que constituísse um oásis.
O arqueólogo Jørgen Christian Meyer fez o levantamento arqueológico numa área de 104 km2, a norte da cidade, durante quatro anos, a partir de 2008, incidindo sobre os terrenos montanhosos que canalizavam as águas da chuva para os vales, tornando a região menos inóspita para a prática da agricultura. Através da prospecção terrestre e imagens de satélite, os arqueólogos suspeitam da existência de mais de 20 aldeias agrícolas a oeste da cidade, a juntar às outras 15, localizadas a este, descobertas anteriormente. Para além destes achados, foram descobertos também vestígios de extensas redes de reservatórios artificiais, ligados por canais, destinados à captura e armazenamento das chuvas provenientes das tempestades sazonais. Com estas descobertas, supõe-se agora que a paisagem circundante à cidade era constituída pelo cultivo de várias espécies agrícolas: oliveiras, figueiras e pistaches, culturas comuns na região. Através de análises de pólen a tijolos de barros, concluiu-se também que a cevada terá sido também cultivada.
O que terá provocado a alteração ambiental naquela região? A pergunta ainda não tem resposta. Porém, os estudiosos colocam de parte a alteração climática radical, uma vez que as mais recentes pesquisas defendem que o macro-clima não terá mudado profundamente desde a Antiguidade. Muito embora fosse uma zona de estepe seca, Meyer considera que a região tinha um potencial enorme para a agricultura, caso existisse um investimento no controlo dos recursos, sobretudo hídricos. Segundo os cálculos do investigador, estima-se que se conseguia captar entre 12 a 15 cm3 de água da chuva por ano, pelo menos até cerca de 700 D.C., altura em que a cidade parece decair, o que permitia alimentar a cidade com a produção agrícola local.
Estas novas descobertas permitem também levantar novas questões, nomeadamente o porquê do florescimento comercial da cidade, que obrigava a deslocação por deserto, através de caravanas e camelos, quando havia rotas alternativas, mais directas e provavelmente, mais rápidas, como é o caso do rio Eufrates, do mar Vermelho e do rio Nilo?
A resposta poderá estar, por um lado, no contexto geopolítico da região, bem como destas agora descobertas condições agrícolas. De facto, há dois mil anos a cidade encontrava-se comprimida entre os impérios romano, de um lado, e o persa, do outro. Ao longo do Eufrates, pequenos reinos cobravam altos impostos pela passagem de mercadorias. Assim, as caravanas que atravessavam o deserto eram uma alternativa atractiva à passagem por esses reinos, porque era livre de impostos. Ora, a existência de uma paragem, urbana e auto-suficiente facilitou a rede comercial, através do deserto. Segundo Meyer, os agricultores cooperaram com os pastores nómadas, que, com as suas caravanas de camelos e ovelhas, permitindo apascentar os rebanhos e as cáfilas, após as colheitas, que ajudaram à fertilização dos campos.
O trabalho de Meyer, infelizmente não finalizado pela situação política instável na Síria, que compromete inclusive a preservação do trabalho de escavação, sobretudo nos arredores da cidade, lança, no entanto, novas perspectivas para a arqueologia como disciplina, mostrando que não se deve dar maior importância aos monumentos construídos pelas elites de outrora – templos, teatros, anfiteatros –, mas sim integrá-los num todo, paisagem incluída, de forma a compreender as sociedades perdidas como um todo, lançando novas pistas para o seu total conhecimento.