Memória de Peix(oto)

Peixoto de alcunha, José de primeiro nome; Galveias, de terra natal; e o mundo, como destino constante. José Luís Peixoto explora as letras, da mesma forma que percorre ruas de países, a oriente, ou a ocidente. Entre a poesia, a prosa, ou mesmo a literatura infantil, José Luís Peixoto tem dedicado a sua obra ao romance e 2012 foi o ano de estreia na literatura de viagem. Dentro do Segredo é o livro mais recente do escritor, que mergulha na ditadura norte-coreana.

De terras de Kim Jong-Un, até à Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, o escritor trouxe consigo algumas memórias que partilhou com a audiência, numa sala com lotação (quase) esgotada. Nesta viagem de 85 minutos, a curiosidade pela procura foi o ponto de partida para justificar uma estada de três semanas no País onde a soberania e o culto do líder são vividos em níveis extremos. A intensidade do regime, das histórias partilhadas, da experiência do lugar, do conhecimento e das memórias que atravessaram a pele foram os pontos-chave para a apresentação da obra.

Das aldeias pequenas, sem carros, à gastronomia peculiar ou às roupas largas, dobradas cuidadosamente na ponta dos braços curtos e magros das crianças norte-coreanas, o escritor projectou a intensidade da viagem, sem vénias, ao auditório. Contou, ainda, como comer cão frito sabe melhor do que comer sopa de cão, como uma criança, numa aldeia do interior profundo, fez uma vénia ao carro onde o escritor seguia, ou mesmo como no avião o ensinaram a dobrar o jornal, sem dobrar a fotografia do líder, na capa.

Perante a atenção de um público curioso, falou-se da liberdade, comparada ao amor, do poder da descoberta, comparado às questões que nunca nos lembramos de colocar num regime democrático, e das ideias, que devem ser usadas quando florescem, para não cair no erro de as deixar envelhecer. Entre os campos de concentração e as centenas de mãos norte-coreanas que tratam da agricultura, a honra e o culto foram explicados, num diálogo que se abriu também às questões do auditório.

Ouvir uma história sobre a Coreia do Norte, ou viver esse lugar, são atmosferas que mal se tocam, mas que carregam um universo com sede de o experienciar. Entre a cortina de veludo pesada do auditório e a porta de saída da biblioteca também houve duas atmosferas que se uniram: a capacidade de mergulhar no oriente profundo e a vontade de ler as páginas onde José Luís Peixoto fala de apertos de mão a crianças curiosas, que nunca tinham visto um ocidental. A Coreia da Norte, essa “empresa” que fabrica e corrige constantemente todos os detalhes para ser a ditadura mais perfeita do mundo, está agora mais perto dos leitores e de todos os curiosos que queiram ser transportados até esse lugar.

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