A variedade étnica, sexual, religiosa, política e ideológica invade o nosso mundo. Esta variedade torna famosa a expressão Multiculturalismo, sem que por vezes se pense sequer no seu significado, e faz-nos olhar para o diferente. Porém, este olhar para o diferente nem sempre é tolerante, sendo, por vezes, discriminatório e indiferente.
A diversidade cultural é uma característica comum de todos os países. O diferente está, hoje, à nossa porta e cada indivíduo tem que lidar com ele. Os seres humanos precisam de interagir e de não se sentirem discriminados e marginalizados, mas nem sempre sabem lidar com a diferença. Perante toda esta diversidade e o apelo pela tolerância à diferença, tornou-se o multiculturalismo uma palavra de ordem em todo o mundo. Contudo, impõe-se a questão: será esta expressão o sinónimo para a resolução dos conflitos de uma convivência, perante a diversidade cultural? Será ela o sinónimo da tolerância para com a diferença?
“O multiculturalismo procura que se reconheça e se respeite a diversidade cultural presente em todas as sociedades”, diz a doutora em Direito Constitucional, Ana Maria D’Ávila Lopes. Por vezes, meramente associado ao facto de uma sociedade ser composta por várias culturas, este é um termo que tem sido utilizado com muita frequência e com diferentes significados. O autor do livro Multiculturalismo Intelectual, Roberto Fernández, afirma que, em geral, o conceito tem uma conotação positiva, mas também há a possibilidade de que haja uma negativa. Positivamente, o termo associa-se a “uma posição intelectual aberta e flexível, baseada no respeito desta diversidade e na rejeição de todo o preconceito, ou hierarquia”. Por outro lado, negativamente, caracteriza-se pelo “fechamento, ou bloqueio cultural, ignorando o que acontece além dos seus muros”, explica.
No entanto e apesar das múltiplas perspectivas, “o multiculturalismo não tem nada a ver com a verdadeira tolerância”, afirma o professor de Sociologia na Universidade de Kent, Frank Furedi. O valor dominante é não julgar as outras pessoas, promovendo-se insistentemente a “aceitação” e dissuadindo o conhecimento das crenças e dos modos de vida dos outros. A tolerância e a aceitação de todos os modos de vida são, então, distintas, pois tolerância, segundo a Declaração dos Princípios da Tolerância da UNESCO, “é respeito, aceitação e apreciação da diversidade e riqueza das culturas do nosso mundo, das nossas formas de expressão e manifestações da nossa humanidade”.
Nas sociedades marcadas pela diversidade cultural, a necessidade da instauração de estados multiculturais que tornem viável a prática da tolerância torna-se cada vez mais relevante. Contudo, a tolerância total implicaria a tolerância para com grupos que querem excluir, ou negar o direito de existir de outros. “Falar de tolerância em situações abusivas aos direitos humanos é ser indiferente”, aponta o mestre em Direitos Fundamentais, Marcus Vinícius Reis. Segundo ele, o direito à diferença e o respeito pelas tradições devem ter um limite e esse limite deve ser os direitos humanos. “Não consigo ver como aceitável a circuncisão feminina em diversos países da África do Norte, a discriminação feminina em diversos países, sacrifícios humanos”, acrescenta.
A multiplicidade de culturas no interior de uma mesma sociedade apresenta-se, por um lado, como uma fonte de enriquecimento cultural e, por outro, como uma fonte de problemas, quando as culturas minoritárias não abdicam de costumes e comportamentos que, perante a lei, constituem infracções, ou crimes. Não julgar quaisquer costumes, ou mesmo tolerar, é, por vezes, não julgar práticas como a mutilação genital feminina. A prática comum em países africanos e também em comunidades de imigrantes africanas residentes em países europeus pode tornar-se, assim, numa oportunidade para reflectir sobre os limites da aceitação das diferenças culturais e da tolerância.