Um mito chamado crescimento

Imagine que crescia indefinidamente ao longo da sua vida, nunca parava de crescer. Com tanto crescimento, as suas necessidades em termos de questões tão simples como alimentação, roupa, ou infraestruturas seriam progressivamente maiores e, provavelmente, tornar-se-iam incomportáveis. A própria estrutura física, óssea e orgânica teria de ser substancialmente diferente, ou nunca suportaria a força da gravidade e estaria constantemente a cair e a partir os ossos, nomeadamente os dos braços e os das pernas, o coração teria de ser gigante para ter força para bombear sangue para todo um corpo, que, provavelmente, em 80 anos de vida, chegaria a bem mais de 3, ou 4 metros de altura.

Pois bem, assim é a nossa economia em termos mundiais, que vive no mito, há largas décadas, do crescimento incessante. Esta filosofia económica mundial é algo que, para além de impossível, é totalmente contraproducente, e a prova disso é o ponto exacto em que estamos. Crescimento económico implica um reajustar das condições das próprias populações, sob o risco de não conseguir acompanhar as necessidades orgânicas e estruturais das mesmas. Neste momento, a sociedade dita desenvolvida vive uma doença de crescimento, em que os ossos e os órgãos continuam na mesma estrutura, já não suportando o esforço.

O custo dum crescimento constante é a obrigação das populações de eliminar condições básicas da sua existência. Prova disso é a drástica baixa da natalidade e o consequente envelhecimento da população ocidental nos últimos 20, 30, ou 40 anos, o aparecimento de doenças ligadas a stress, o aumento drástico do número de doentes oncológicos e de mulheres com dificuldade em engravidar, assim como mais casos de infertilidade masculina e feminina, ou ainda o aumento da poluição a todos os níveis. Poderia aqui enumerar imensas situações que são o reflexo desta filosofia desproporcionada, que considera que crescer é a única opção possível, mas não é necessário, todos nós conhecemos o mundo em que vivemos.

O crescimento indefinido leva a que determinados recursos se esgotem, alguns deles que nem sequer sabíamos que eram recursos, como é o caso do emprego, dos serviços de saúde, ou de educação. Estamos a esquecer-nos do princípio básico da humanidade na Terra, que é simplesmente o viver. Neste momento, devido a termos todos entrado no jogo do crescimento, deixámos de viver e passámos a sobreviver. Já não temos tempo para os filhos (muito menos para os termos), porque temos de ganhar dinheiro, dinheiro esse que já é escasso, até porque as poucas coisas que temos exigem-nos imenso dele, nomeadamente os próprios filhos. Tempo para nós mesmos, muito menos, porque em vez de trabalharmos 7, ou 8 horas, trabalhamos às 10, 12, ou 14, dormimos 5, ou 6 e as outras já nem sequer nos lembramos de como elas passaram. Procuramos nos outros aquilo que não temos em nós mesmos e, por isso, elevámos as taxas de divórcio duma forma abissal e as relações hoje são verdadeiramente fast-food. Por falar nisso, a nossa comida, pré-feita, processada, pouco nutritiva, nem vale continuar a lista.

Tudo o que está atrás, da forma como está descrito, é muito semelhante ao processo que as células cancerígenas se desenvolvem no nosso corpo físico, o crescimento descontrolado e indefinido que leva a que se transformem em energia potencialmente maligna. Já pensou nisso? Será que somos nós o cancro deste planeta? Sim, parece, sem dúvida, um panorama apocalíptico e desolador, mas acredito que estaremos sempre a tempo de travar este processo. Muitos, hoje, felizmente, começam a desligar-se das formas de vida tradicionais e procuram, novamente, a sua essência, enquanto verdadeiros seres humanos.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Devemos ter orgulho das nossas cicatrizes

Next Post

Multiculturalismo: um olhar indiferente

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Palavras

A linguagem é como os armários grandes, guardam em si tantas roupas e vestimentas que, por vezes, se torna…

O elogio dos brutos

Ei-los, os brutos, aqueles que sem decoro, sem requinte, vociferam cruezas a quem nada lhes perguntou. Ei-los,…