Creio que, se não tivesse passado uns quantos finais de Verão da infância em Vila Real de Santo António, não olharia para o sotavento algarvio com a familiaridade e o carinho com que o faço. Lembro-me de pelo menos cinco Verões (distingo pelo menos cinco casas diferentes que os meus pais alugavam: a última não tinha sala de estar e à antepenúltima faltava-lhe um esquentador) em que íamos com um casal amigo com quem chegámos a partilhar casa. Nos anos 80 o acesso à praia era uma pista todo-o-terreno e para ir a Espanha comprar caramelos e um ou outro brinquedo, só de barco: a ponte da Castro Marim só viria a ser construída mais tarde.
Tinha impressões, ainda que imprecisas, da Manta Rota, de Cabanas e de Monte Gordo.

Nos últimos anos voltei por cinco vezes àquela zona do Algarve para (re)descobrir Tavira, a cidade onde coabitam o rural e o turístico; para revisitar Vila Real, que me deixou com a sensação que por vezes experimentamos quando reencontramos em adulto um colega com quem perdemos contacto depois da escola primária mas no qual reconhecemos as feições da infância; para viver aquele lugar magnífico que é a ria; para jantar tranquilamente numa esplanada de Tavira ou comer polvo em Santa Luzia; para aprender, aos trinta e tantos anos, a gostar de estar na praia, ainda que para lá chegar tenhamos que apanhar o barco e não exista qualquer ponto de apoio (é a esta virgindade um tanto selvagem que o sotavento deve, em parte, a sua beleza); para poder escolher ir até à praia do Barril, da Terra Estreita, da Ilha de Tavira, de Cabanas, da Fábrica ou de Cacela Velha… Cacela Velha… essa terra tão especial onde se comem as mais fantásticas ostras que eu vomitaria de imediato ainda antes daquela “langonga” gelatinosa me tocar no palato; para usufruir da água quente, do tempo quente, da terra quente, com uma tranquilidade que foge um pouco, mesmo em Agosto, à loucura algarvia…



O sotavento é um lugar que me acalma, e no entanto… tudo ali me faz sentir mais vivo. Quando penso no Algarve, é este o Algarve que me vem à mente.

Claro que os dons Rodrigos, os bolos do Algarve ou a tarte três sabores assassinam qualquer tortura dietética mas… São férias, que diabo! É andar todo o dia de chinelo no pé com sal no corpo; ficar na praia até tarde porque sim; descansar no hostel ou na casa alugada porque amanhã há mais dia para desfrutar; encetar conversa numa esplanada porque em férias sabe bem metermos férias de nós mesmos; jantar tarde ou cedo (o D’Gusta ficou-me atravessado) com a mesma vontade de chegar à tarte três sabores para sobremesa; mudar de praia; ler um livro; comer um gelado na Muxagata ou assistir a uma qualquer animação numa quente noite de Verão no palco da Praça da República, junto à ponte romana sobre o Gilão… e quando voltarmos, podermos responder com um sorriso nos lábios à pergunta Então o que é que fizeste nas férias?: Nada! E Adorei! Não “papei museus” nem percorri trilhos, não subi a arranha-céus nem visitei ruinas, não vi qualquer musical nem fogo-de-artifício… fiz apenas o tempo decorrer sem correr… porque sim… fiz tudo porque sim, porque em férias é o que apetece e nada mais há do que aquilo que nos apetece.


E neste cantinho de Portugal, apetece-me tanto a liberdade de ser Eu, diferente daquele que a rotina mostra.
Não sei se foi dos flashes de infância que ali vivi ou se aquele lugar significaria o mesmo para mim em qualquer circunstância; sei apenas que voltarei a Tavira, a Cacela Velha e a Vila Real de Santo António, paraíso perdido tão maravilhosamente inexplorado.
