Olhemos para os nossos sapatos como o medo e a culpa: há quem tenha em quantidade, talvez, para colmatar um vazio. Há quem use praticamente os mesmos, para nunca sair da zona de conforto e há quem consiga ter uns para cada situação.
Em todos os casos, os sapatos limitam as nossas escolhas: influenciam na altura, na maneira de andar e até na imagem que transmitimos aos outros mas, sobretudo, os sapatos, são uma protecção, são o nosso escudo, em relação ao mundo que se estende debaixo dos nossos pés.
E onde fica a nossa conexão física ao mundo? Como podemos senti-la?
Usar sapatos é bom. Da mesma maneira que é bom sentir medo e culpa. O medo preserva a vida, e a culpa pode trazer-nos consciência, reconhecimento e aprendizagem, contudo, tal como os sapatos, tornam-se num problema, quando são em exagero, quando devoram e sugam o espaço que devia ser nosso.
Quando estes sentimentos nos ultrapassam, funcionam como bloqueadores da nossa felicidade e do nosso crescimento, aí, criamos as resistências de deixar para trás e sentimos que nada é o suficiente e acabamos por ter, só por ter. No momento da posse, sentimo-nos, ilusoriamente, cómodos e seguros mas, a verdadeira dificuldade brinca às escondidas com as desculpas, jogadas ao ar dia após dia. E ali continuamos, inertes, desprovidos de coragem e por vezes, nem nos damos de conta, que é muito mais fácil afundar quando estamos parados, e acabamos por nos ver como aquilo que não somos e que talvez nunca venhamos a ser.
E é neste desequilíbrio que o medo e a culpa aparecem numa montra brilhante e bem arranjada. E naquele momento, são os sapatos certos a comprar.
No entanto, começamos a usá-los e o medo faz-nos a acreditar que talvez não sejamos bons o suficiente para arriscar, que não vamos conseguir. A culpa, arrasta-nos, e faz-nos tropeçar e mesmo que esteja larga ou apertada, faz-nos sentir que não estamos no nível de exigência esperado, que não somos perfeitos e que a culpa é nossa por não fazer os outros felizes.
Talvez, um dia, quando nos sentirmos prontos, ao descalçarmos os medos e as culpas, iremo-nos desprender das amarras que nos impedem de seguir e estaremos prontos para nos amar e aceitar. Passamos a perdoar as pequenas coisas que, para nós, eram grandes e tomamos consciência que eram elas que nos impediam de sermos melhores, mais confiantes, tolerantes e completos. Criaremos empatia com os sentimentos dos outros e ganharemos consciência que cada um de nós está a crescer, mesmo que à sua maneira, com os seus medos e culpas calçados.
A verdade, é que não se pode tirar os sapatos em qualquer lado… mas e se pudéssemos? Libertávamo-nos daquilo que nos pesa as pernas e que nos magoa os pés?
Acredito que persistir e não desistir de sentir a relva e o vibrar da Terra é o caminho para estarmos em conexão profunda com a vida. E quando esse dia chegar, ganharemos a coragem de dizer: A culpa não é só tua. Fizeste o melhor que pudeste, com as ferramentas que pediste emprestadas à vida. Aprende e segue. Usa o medo como aliado e faz, com coragem, o que precisas de fazer. Vai correr tudo bem, mesmo que não corra como esperas.