Quando era adolescente, naquela fase de franganita, em que o corpo não serve para coisa nenhuma a não ser crescer sem ordem nem método, a vida era bem mais interessante e curiosa para quem partilhava esta faixa etária. Havia algum mistério e expectativa, em que se aproveitava para colorir a vida e os desejos de algo que nunca poderia ser real.
Ainda se trocavam bilhetes, pedaços de papel que circulavam livremente, de mão em mão até chegar ao destinatário. Os escritos nem sempre eram legíveis, mas a ânsia e o suspense preenchiam o imaginário e as emoções de cada um. Algumas vezes perdiam-se para a mão dos professores e a vergonha ocupava um lugar que ninguém queria: ser apanhado.
Também existiam as cartas, aquelas folhas que se enchiam de palavras e cujas frases eram o espelho do turbilhão de sentimentos que ia no íntimo de cada um. Era bem mais fácil dizer através de um papel do que pronunciar palavras. Ficavam marcadas, para sempre, naqueles testemunhos que não permitiam negar o que havia acontecido.
E depois aguardava-se pela resposta, pelo carteiro que era o portador das boas e das más notícias. Não havia outro modo de comunicação. Os envelopes podiam ser coloridos, com desenhos e até mesmo cheiros, que se guardavam religiosamente. Os selos serviam para coleccionar e eram alusivos a eventos históricos ou pessoas de relevo. Sempre bonitos.
Algumas cartas eram retribuídas e serviam para alegrar o dia de quem as recebia. Havia ligação e os sonhos comandavam a vida. Tudo era perfeito. Combinavam-se esquemas para ninguém perceber que eram namorados. Que simplicidade de sentimentos! Uma clandestinidade adorável e maravilhosa! Mais tarde todos ficavam a saber e assim podiam andar de mãos dadas ou abraçados, conforme a postura que tivessem perante a vida.
Depois era aproveitar o que a vida oferecia, sobretudo os bancos de jardim, mais escondidos, onde se iniciavam as aventuras da descoberta. Os beijos trocados eram intensos e fortes como o sabor a café numa manhã de insónias. Inventavam-se vidas que nunca poderiam acontecer, mas a ilusão era perfeita e vivia-se o momento. Tão bom e tantas saudades que ficaram!
Naqueles tempos, o dinheiro era escasso e quando aparecia a ida ao cinema era mais do que planeada. No escuro tudo era mais perfeito e na penumbra da sala os sentimentos soltavam-se como estrelas numa noite sem luar. O tempo parava e as histórias pessoais começavam. Como era delicioso pensar que seria para sempre e que a perfeição existia. Éramos só nós e mais ninguém.
Ter ou ser namorado/a era estar numa posição de relevo e destaque. Havia alguém que se preocupava connosco e adormecia-se a pensar que o céu era na terra e não havia maior felicidade do que a que vivíamos. As declarações de amor cheiravam a presença e os presentes trocados enchiam o peito de tantos suspiros que o ar até se assustava. O arfar fazia parte do dia a dia e os suspiros saíam sem autorização.
Os mais afoitos faziam planos de futuro, com casamentos e filhos que lhes dariam imensas alegrias e encheriam a casa de som de pezinhos que caminhavam ainda trôpegos na vida. Como era delicioso pensar que tudo se encaixaria e faria sentido! Quem é que ia pensar que as coisas podiam correr mal e cada um ia para seu lado? Era aproveitar o momento e nada mais.
O coração batia tão forte e os sonhos eram tão cor de rosa que as cores, em tom de pastel, ofereciam uma extraordinária protecção à vida. Tudo era possível e o viveram felizes para sempre era o destino de todos. Com pequenos apontamentos de corações e nuvens que davam as mãos em sintonia perfeita. O sol nunca iria dormir nem os namorados cresciam, mas tudo isto era parte do jogo.
O telefone fixo, aquele em que se movimentava uma espécie de rodinha para marcar os números e não se sabia quem estava do outro lado, era o maior confidente. As chamadas eram formas de perpetuar o contacto e encurtar as distâncias mesmo que fosse de um prédio para o outro. A voz batia logo no ponto certo e o véu de magia persistia durante tanto tempo que a cara de idiota nunca desaparecia.
E os beijos? Áreas minadas, mas apetecíveis. Eram como lacre na selagem da relação e deviam ser praticados com frequência acumulada. Primeiro secos e a medo e depois, mais tarde, ousados e cheios de técnicas que levavam ao delírio. Um choque que fazia estremecer todo o corpo e que se queria repetir sem parar. Uau!
Quando a relação se mantinha e avançava, o que significa que passava de uns meros dias, outras descobertas se avizinhavam e apesar de rudimentares eram sempre saborosas e plenas de novas sensações e emoções. Os olhos podiam ver, mas era o corpo que sentia a chama e o ardor que fervilhava em cada um. Um bem maior e ansiado.
Davam-se os braços, tocavam-se as vontades e podia começar no pescoço que rapidamente descia até onde entendiam que devia ir. As palavras eram nulas e o silêncio o perfeito cúmplice. A descoberta do corpo e dos seus muitos complexos e maravilhosos mecanismos era uma arte que nunca estava bem dominada. Sem pressões nem normas.
Os risos e os olhares eram formas de expressão e maneiras de manter a chama sempre acesa. Inventavam-se códigos para comunicar e havia mini espiões por todos os cantos para que tudo fosse ainda mais desafiante e forte. O picante ainda era ingénuo e não sabia funcionar. Esse viria depois, muito mais tarde, quando a malícia roubaria o lugar à ingenuidade.
A alegria e a satisfação eram tão grandes que se queria mostrar para que todos entendessem como era bom viver. E claro que se pensava que eram os únicos bafejados pela sorte e que mais ninguém se sentia assim. Um cenário que era idealizado e que se queria deixar ficar como se a vida não tivesse tantos e tão variados impedimentos nem obrigações. Estes eram os primeiros namoros, as experiências que serviriam para toda a vida.
Naqueles tempos namorar era mesmo muito bom. Tinha um paladar agridoce que temperava tudo em que se acreditava. Quem é que ia pensar que um dia tudo daria a volta e seguiria um outro rumo? Na verdade, isso também não interessava nada, porque o momento era vivido com tal intensidade que durava e durava como se tivesse pilhas Duracel.