Chegou o momento de mergulharmos em nós. O momento está ali, volta e meia espreita pela porta entreaberta, sussurra-nos ao ouvido, chama, chora, cutuca.
Enquanto nos apela, caminhamos em modo autónomo, acordamos, levantamos, vestimos, comemos, trabalhamos, vemos um filme, praguejamos que não temos tempo para filmes ou livros ou histórias, beijamos os filhos e outros amores, zangamos-nos com os filhos e outros amores, estamos fartos do trabalho, acordamos exaustos e dormimos cansados, sem termos sequer tempo para sonharmos acordados.
E as portas vão-se abrindo ao de leve, de quando em vez, achando que talvez com algum jeito nos apelem à coragem de espreitar. É teimoso este momento, não se cala, não se submete.
Chateamos-nos com esta nossa vontade própria que teimamos em varrer para debaixo do tapete. Não temos tempo. Queremos prosseguir com o acordar e o deitar cansado, não existe outra forma se não esta, na passagem dos dias e do desalinhamento da alma, como é possível outra forma de se existir?
Esquecemos-nos que na dormência dos dias temos de aprender a nos escutar, que a vida nos quer bem mesmo quando nos dá a sensação de nos querer mal, que lá à frente (se tivermos a paciência de esperar), tudo fará sentido e se encaixa , principalmente quando assumimos o momento de mergulharmos.
As nossas dores e alegrias estão nos intervalos que se mostram maiores do que conseguimos ver, perdidos que estamos em desacreditar e forçar sorrisos. Sentimos a valer, quando paramos um pouquinho todos os dias e temos a real bravura de olhar. De nos ver.
Somos todos pó. No sangue, na pele, nas entranhas, nesta máquina perfeita que usamos como autómatos, nas histórias que se desvanecem e esquecem no tempo, por mais que insistamos em contá-las.
Somos tudo e somos nada.
Desvanecemos-nos e misturamos-nos no vento, transformamos-nos em ar, fogo, água e terra, num segundo que nunca esperámos e é mais perfeito do que se julga, que nos demonstra em perfeita alquimia, prosseguindo no dilema mais misterioso e questionável da humanidade. Porque nascemos, se vamos morrer? Para onde vamos? Quem somos, afinal?
Até lá, o momento continua à espera da sua oportunidade. De se mostrar. De nos mostrar. O quanto isto tudo vale a pena e é tão maior do que julgamos, que há outra maneira. Existe outra maneira.
As portas continuam entreabertas, com a certeza absoluta que todos, mesmo todos, temos esta capacidade inata de parar, de nos olharmos, de nos esmiuçarmos em alma.
Dizem, por aí, que as portas são para se abrirem e aposto que, corajosos como somos, queremos escancará-las de vez e olhá-las de frente, sem pouco nos importarmos do que acham de nós porque no mergulho vamos saber quem de facto somos, que somos iguais de tão diferentes, que de muitos somos um e de nada somos todo.
Em pó nos desvanecemos. Em mergulhos nos encontramos. Em pausas aprenderemos a amar.