– Porque andas tu às voltas com isso da fé, hoje? Não te sabia preocupado com as coisas do Senhor – perguntou-lhe ela.
– É que, se como dizes é, então não sou eu um homem de fé?
– Nunca eu assim te conheci.
– Olha, olha, olha!
– Que foi?
– Chegou o homem à Igreja. O de fé.
– Verdade.
– Pelas minhas contas não deu esta conversa tempo de a mim me perceber nem a ele de o terço rezar.
– Como sabes tu disso? – perguntou-lhe espantada.
– Se até à porta vim para o homem espreitar, vi-o com especial cuidado. E nossa intenção primeira era medir-lhe a fé. Lá ia de terço em punho, crucifixo baloiçando, pobre Cristo. Vá lá que não está já bem dos sentidos, naquela cruz pregado, senão tanto baloiçar lhe daria em agonia. A reza era lenta. Também acho que a ser, é para ser assim. Rezar a fugir só nas cousas do desespero, que não consegue o homem controlar a velocidade da fala pelo bater acelerado do coração e o sangue fervente em velocidade máxima. Se é para ser, é para se ir bebendo das palavras, mas, pelo ritmo e a conta que quando aqui à porta passou levava seus dedos, nem tempo deu de acabar a Avé Maria. Deve ter ficado no “bendita sois vós entre as mulheres”, por ter sido aquela mais bendita que outra qualquer.
Olhou ela a rua vendo o homem, o da fé, entrar na igreja perdendo-se no escuro da entrada. Respondeu-lhe:
– Tenho de me acautelar contigo.
– Porquê?
– Porque tu em muito reparas.
– Acautela-te se melhor o achas – aconselhou-a.
– Deve terminar o terço na casa da fé ou, quem sabe, no caminho de volta.
– Que assunto tem isso? Deixar a fé a meio?
– Não deixa a meio porque lá está, na casa do Senhor, em oração.
– O terço deixou. A não ser que seja apenas entretenga na ida e na volta, mas se é para ter a fé que seja ininterrupta e que as coisas como deve ser se façam.
– Que sabes tu do mal de deixar a meio um terço!
– Bem verdade, se a minha igreja é aqui na tasca bebendo qualquer coisita… sangue de Cristo se um homem de fé fosse, como não o sou é vinho apenas. Até isso é diferente para quem fé tem. A mesmíssima coisa é diferente por quem a toma. Ele há coisas do diabo.
– Quanto muito… de Cristo.
– Como?
– Quanto muito de Cristo… que é dele o sangue.
Sorriu.
– Vou pensar nisto da fé e mais tarde te digo – disse-lhe ele.
– Não me tragas perguntas que não te saiba responder!
– Então como queres tu que eu a fé entenda e aceite?
– A fé é mesmo isso.
– O quê?
– Não serem precisas respostas para que creias.
– Acautela-te!