Big Data e o advento da Nova Democracia

O recente escândalo que envolveu o Facebook e a Cambridge Analytica alertou a população para as potenciais finalidades dos nossos dados pessoais. Muito embora a gestão desta informação por parte de Mark Zuckerberg seja amplamente criticável, o cerne deste artigo é compreender de que forma podemos estar a caminho duma relação perversa entre os candidatos políticos e o eleitorado em geral. Tal como foi esclarecido pela própria Cambridge Analytica, os dados pessoais de milhões de utilizadores permitiram o desenvolvimento de uma campanha eleitoral altamente sofisticada. Melhor do que nunca, um candidato político, neste caso Donald Trump, conseguiu transmitir uma determinada mensagem a um público-alvo específico.

A estratégia utilizada foi simples: como a base de dados contabilizava toda a atividade dos utilizadores do Facebook, era possível fazer uma segmentação instantânea do mercado por idade, género, zona geográfica e, provavelmente mais importante, segundo um conjunto de preferências pessoais, sociais ou políticas. Este último critério é o que deve despertar mais apreensão, já que, em última instância, pode traduzir a nossa experiência online numa versão distópica de um tubo de ensaio político – calma, não soem os alarmes das teorias da conspiração!

Um fator importante, que não deve ser esquecido, diz respeito à forma como o universo digital potenciou a opinião dos seus utilizadores, isto é, no mundo virtual os cidadãos têm ao seu dispor uma ampla palete de plataformas onde podem expressar as suas ideias. Tendo em conta que uma parte considerável destas provém de reações à atualidade, existe uma quantidade cada vez maior de inputs sobre como nos sentimos em relação a tudo. Esta realidade é útil para, por exemplo, as empresas adaptarem o seu produto ao que é procurado pelos consumidores, mas perigosa se avaliarmos a sua transposição para o domínio político.

Assim sendo, nada impede que o tal tubo de ensaio político seja progressivamente desenvolvido: testa-se a reação popular a uma posição ou medida política, verifica-se o alinhamento ideológico de quem concorda e quem rejeita, os padrões de quem muda de opinião, etc. Indicadores como a taxa de aprovação de medidas, índices de retenção de votos ou flutuação eleitoral são uma realidade demasiado próxima e, até certo ponto, disruptiva para o nosso entendimento de campanha eleitoral e da relação em geral com os eleitores. Há uma série de tendências que podem surgir destas novas variáveis, sendo algumas delas as seguintes:

  1. Mais populismo: A ligação instantânea com os cidadãos pode gerar fenómenos populistas mais certeiros e flexíveis, adaptando constantemente o seu discurso às grandes tendências na opinião pública – tudo isto em tempo real.
  2. Menos pluralismo político: A capacidade de responder às necessidades dos cidadãos vai ser segmentada pela própria capacidade financeira dos partidos, ou seja, agrava-se o desfasamento entre os partidos menores e os que já estão estabelecidos.
  3. Mais participação: Uma das oportunidades criadas corresponde à mobilização de pessoas outrora desligadas destes assuntos. Tornar-se-ia mais fácil de compreender as razões desse afastamento e quais os fatores mais importantes em dinamizar a sociedade civil.
  4. Melhor democracia: Compreender de que forma a opinião pública flutua também favorece a criação de mecanismos de defesa, isto é, de argumentos, de respostas e de posições que esclareçam o eleitor e o afastem de opções demagógicas e contraproducentes.

Mais, a coincidência temporal deste fenómeno com a emergência de apoio a noções como democracia direta e e-democracia tornam-no muito mais interessante e importante de estudar. Não é sensato rejeitar por completo qualquer tipo de evolução neste domínio, contudo também se exige uma reflexão ampla e compreensão das possíveis consequências antes de qualquer decisão. A grande certeza do momento é que não podemos continuar a ignorar a nossa pegada digital – todos os outros estão atentos.

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