A guerra dos botões

A história decorre nos anos 60 do século XX e mostra um lado mais suave que a realidade. Uma ternura de vida ainda infantil, mas que vai crescendo em tons um pouco coloridos e doces. Uma visão masculina da vida que parece não sofrer qualquer alteração de fundo.

A eterna rivalidade entre duas aldeias e os seus meninos/homens é o tema que nos irá transportar a uma infância dourada que levará a um sorriso singelo e envergonhado. As guerras travadas são as mesmas que outros já viveram e são uma herança que não se pode apagar. Quem perde a contenda, além da humilhação, fica sem os botões, a maior de todas as provações.

Contudo, esta geração terá de enfrentar um novo desafio que dá pelo nome de rapariga. Uma das meninas de uma das aldeias é muito sagaz e astuta de tal modo que resolve as contendas com inteligência e simplicidade. Para quem não está habituado a olhar para elas como iguais representa uma dificuldade acrescida.

O chefe de um dos grupos. Lebrac, é um rapaz marcado pela morte do pai e tem que assumir o seu papel a muito custo. Cresceu cedo e de modo duro. Trata da quinta antes de ir para a escola e assegura o sustento da família. Ele sabe ver como será o futuro e percebe que o passado fica onde devia estar, num arquivo de memória morta.

Na verdade, perdeu-se no tempo o motivo da contenda se manter, mas as duas aldeias marcam a sua posição com o que têm à mão, hoje apenas crianças e amanhã com as profissões que são úteis para todos. Até os mais pequenos querem fazer parte dos grupos para se sentirem integrados e seguros. É um ponto de honra.

A certa altura, entendem que nada daquilo faz sentido a não ser como parte integrante duma memória colectiva que se preserva a todo o custo. Os professores primários foram, num tempo remoto, os líderes e o seu reencontro mostra como as pequenas contendas os fizeram evoluir sem se esquecerem do mais importante: a inocência.

O filme é tão belo como uma canção francesa que embala e transporta para um universo paralelo onde a natureza impera e o sentido das coisas ganha uma outra dimensão. Estes meninos homens sabem que a guerra verdadeira, aquela onde o irmão da menina, a Lanterna, luta é intensa e poderosa, mas a deles é apenas um ensaio para os dias mais complexos que se avizinham.

Encantadora a cena em que os professores das duas aldeias se reencontram e relembram a sua infância de disputas. Eles foram os dirigentes e o ódio que incutiam nos outros acaba por desaparecer quando as escolhas da vida se tornam imperativas. As pedras tocam a água tal como a alegria toca as suas almas adultas que continuam a ser pueris ad eternum.

Há uma preocupação com o papel da mulher e com a educação. Elas são o novo rumo e a aceitação poderá demorar, mas é certa. A educação é o modo de ver as novas oportunidades e puder viver uma vida menos dura e que possa oferecer outros caminhos que não os do campo. Uma evolução pelo mérito e pela inteligência.

O menino órfão ganha uma bolsa de estudo o que implica a saída da aldeia. Uma mãe que chora sem lágrimas e uma rotina que se altera sem avisar. A sua vida chega primeiro que a dos outros, mas ele sabe que quem o segue na liderança está nas mais perfeitas condições para o fazer e é uma menina. Ser adulto é uma tarefa árdua que implica opções e muito sofrimento, mas ainda assim compensadora.

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