Estava a passear com o meu filho de 18 meses, quando, ao passarmos em frente a uma montra, ele aponta e diz:
– Miau, mamã.
Recuei para ver o “gato” que estaria na montra ao qual ele se referia e para minha surpresa não vi um gato, mas sim um cão de louça. A minha reação automática foi dizer-lhe:
– Não é um miau, é um cão.
Ao escutar a minha própria afirmação foi como se tivesse sido atingida por um raio de consciência. Aquela situação era o ECO dos pensamentos que nos últimos tempos andavam a pairar na minha mente.
Partindo da premissa que o que é real para mim não o é para um outro, que o que eu percepciono desta realidade é fruto do meu próprio aparelho sensorial, do meu sistema nervoso e do rol de informação, experiência e memórias que carrego em mim, então, cada um de nós é, em si, um universo paralelo e único a esta dimensão, onde todos orbitamos e onde nos ligamos e conectamos uns aos outros.
Na minha experiência pessoal e na sequência do meu trabalho como terapeuta, apercebo-me que os nossos pensamentos são fruto das verdades mais enraizadas em nós. “Verdades” que herdamos, que nos foram passadas, algumas já trazíamos connosco numa memória residual à espera de ser despertada por um acontecimento, circunstância e ou ambiente externo. E é com estas “verdades”, como ponto de partida, que saímos e tocamos a realidade à nossa volta para, em seguida, incorporamos o seu feedback com o filtro da nossa verdade e assim perpetuando e fortalecendo estas “verdades” neste nosso universo paralelo.
Poderei alterar a minha percepção e esta minha interpretação da realidade?
Parece-me que sim.
Como?
Questionando a veracidade do que percepciono, do que assumo como verdadeiro para mim e questionando a veracidade dos meus pensamentos sobre essa minha realidade perguntando:
– É verdade? Sim ou não? Que “provas” tenho desta minha verdade?
As nossas “verdades” interiores são o maior fruto e fonte do nosso sofrimento interno e da perpetuação de padrões e comportamentos da nossa vida. Por vezes, estamos a repetir a mesma sequência, o mesmo guião, mudando apenas os cenários e as personagens à nossa volta.
Ao questionar as minhas verdades internas acontece também o seguinte fenómeno: retiro-me da posição de actriz/actor da cena principal e coloco-me na posição de realizador e observador da mesma. Nesta posição, posso fazer cortes, posso fazer alterações, posso assim alterar a percepção do que vejo e sinto e, consequentemente, penso sobre o que vejo e sinto e, consequentemente, o que esse pensar sobre o que sinto e vejo me faz sentir.
Voltando ao exemplo e situação do dia-a-dia de onde parti.
O meu filho viu um “miau” dentro do contexto da sua experiência percepcional de 18 meses de vida, mas eu vi um cão de louça e expressei verbalmente ter visto um cão de louça. Para ele o miau é tão real como para mim o era o cão de louça, ambos efectivamente existem, na realidade de cada um.
Ao aperceber-me num rasgo de segundos de consciência de tudo isto, reformulei o que tinha verbalizado e disse-lhe:
– Do meu ponto de vista parece-me um cão. – Colocando-me assim como espectadora da minha própria interpretação da realidade.
Este reformular, através do discurso, da linguagem e das palavras que usamos é outra forma de questionarmos a veracidade da interpretação daquilo que percepcionamos do mundo “lá fora”. Abrindo espaço para outras hipóteses, outras interpretações, abrindo espaço para acolher “o mundo e a visão paralela” do outro, abrindo espaço para dar novos significados à minha própria realidade. Alargando assim o meu universo paralelo e reduzindo o espaço entre a minha realidade paralela e a realidade paralela do outro, o que só poderá ser positivo, pois a longo prazo traz-nos compaixão, compreensão e aceitação pelo outro e por nós mesmos e, sobretudo, traz-nos uma imensa paz pois deixamos cair por terra o machado da razão inquestionável fruto de tanta dor e sofrimento em nós e nesta nossa humanidade.