Pode a solidão ter cor? Existe diferença entre ser solitário e ser individualista? O eco de cada um consegue ser escutado por corações que se deleitam em maldades sádicas? E afinal o que faz um cão nesta equação?
Ler é um prazer imenso e quando se depara com uma escrita límpida e tão comunicativa, como se fosse uma conversa entre amigos de longa data, as páginas viram-se sozinhas e voam.
O início foi demasiado fácil pois identifiquei-me logo com as linhas. Em certos momentos até sorri e pensei: “fui eu que escrevi isto?” Claro que não, mas há um paralelo de tempo e de vivências que nos une.
Sorvi as folhas. A solidão não tem nome, mas, sim, as suas memórias e aquelas personagens que se vão despindo, aos poucos e poucos, são os últimos restos de uma claridade que ofuscou.
Criam-se mundos e sonhos que nunca foram reais nem colectivos. A cidade grande sufoca os desejos e as relações pessoais, destrói a casa que se vai construindo com tábuas tão rústicas e singelas, que é o espaço de cada um, a sua vida, um todo de sonhos e realidades.
Perde-se a identidade, o fio condutor, aquela vontade de se desnudar e entregar a alguém que saiba escutar as emoções sem juízos nem falsos pudores. Tudo fica escuro e frio e nem se sabe quem está a dividir as paredes ou que dores tem a pessoa que acabou de entrar no elevador. Um completo vazio.
A identificação da zona onde tudo começa e que tem o dom de apelar para a seguir, pode parecer, à primeira vista, irrelevante, mas, na verdade, ainda é um dos locais onde o espírito de aldeia vai sobrevivendo. Ruma-se a sul para ter o calor e o sol e este sul é um ninho que vai acolhendo os párias.
Beatriz nunca viveu, foi uma infeliz que vagueou, teve uma ideia de vida que não passou de um rascunho tosco sem a cor de o querer ser. Um pensamento que era seu e nada mais. Terá que se recompor, reorganizar e recomeçar. A força irá ser encontrada num momento de grande fragilidade.
Carrega consigo um tempo que não existe e um peso que a magoa e continua a o fazer, sem motivo. A falésia é a metáfora que não é sua, é de quem tinha assuntos muito importantes ainda por resolver. Somos humanos e precisamos de respostas e de vozes.
Caixas. Baús. Tesouros. Memórias. Vidas. Saudades. Sonhos. Desejos.
Viriato, o Zé, não tem exército nem território para defender nem comandar. Vive com o essencial e, pelos vistos, já encontrou a sua fonte da juventude. Os que partilham espaço consigo, dois, são de patas e esses seres são sinceros e honestos. Que lhes importa os luxos se tudo está assegurado?
O peso que o atormenta é uma ligação, das afectivas, as perigosas, que tem à única pessoa que o deixa viver como bem entende. Só que as emoções são fraquezas e ceder ao que se sente pode ser castrador. Amar é dor e afastar ainda pica mais fundo.
Natal. Natalidade. Nascimento de Cristo. Cão. Luxo. Sobrevivência. Vida.
E sem se darem conta, os que isoladamente tinham as suas dores, começam a diluí-las com leveza nos cuidados que prestam um ao outro e na libertação de fantasmas que viviam bem escondidos em locais recônditos.
As nuvens ficam mais claras e leves e as tempestades são agora de um outro tom, com bonanças que se repartem e que têm remos que salvam donzelas e cavaleiros que, um dia, foram os heróis de ninguém. As maçãs podem ter as suas lagartas, mas essas serão borboletas, no dia certo.
O milagre da vida é inexplicável e absolutamente maravilhoso. Um pedaço, um farrapo de esperança carregado de futuro que se desenvolve e vai crescendo. Um legado e asas abertas de continuidade. A eternidade. A realidade.
Sem nada que pudesse avisar, que a vida está plena de urgência, numa visita, simples e sem pretensões, tudo muda e os esqueletos que andavam à solta, são agora enterrados e os medos sanados.
Um cão é sempre a solução para a solidão.