Fui ao cinema ver o filme Ainda Estou Aqui com as expectativas em alta. O dia de estreia levou muita gente ao cinema e a sessão que escolhi estava cheia; não me recordo de qualquer espaço vazio acima do nível de entrada.
A estranheza de ver um filme sem legendas passou nos primeiros minutos do filme. Acompanhei com prazer o ritmo das cenas, a música escolhida, o cenário tipicamente brasileiro. Mas o que mais me fascinou foi a leveza dos atores na interpretação de um papel que sabia de antemão tão duro: o entrosamento entre os atores principais foi o que mais me marcou naquela noite. A narrativa do filme fluiu de forma natural, os atores não estavam acorrentados ao papel ou ao estúdio, e conseguiram criar uma relação que saltou para o público. Esta “química” demonstrada pela protagonista e pelas filhas do casal em foco foi a estrela da noite.
Infelizmente, esta dinâmica muito bem conseguida por toda a equipa escolhida não pode ser o centro do filme, assim como a fotografia, o som ou a montagem. O retrato da repressão do regime brasileiro foi captado de forma sublime e, assim, fomos presenteados com toda a dureza do filme. Os espetadores sentiram a falta de liberdade, a angústia da perseguição, o sofrimento perante as perguntas, a ambiguidade das possíveis respostas. Pensamos sentir, já que isso é impossível, a dor das personagens, a obscuridade política daquela realidade brasileira e voltamos aos nossos manuais de história — todos os que nasceram pós-25 de abril. Aquele cenário não nos era estranho; já lemos muito sobre o assunto, o que ouvimos é-nos muito familiar.
É um filme que merece todo o barulho existente à volta deste e da atriz principal, Fernanda Torres. Sem nenhum tipo de preferência associada à língua ou ao país que nos dizem irmão, o filme Ainda Estou Aqui é uma pedra preciosa no panorama cinematográfico mundial. Numa época de repressão comunicacional, urge manter à tona os dados históricos, a atrocidade que muitos viveram e, sobretudo, a coragem dos resistentes. Bebamos dela para enfrentar os tempos que já não se avizinham, mas que já chegaram. Procuremos entretenimento e conhecimento histórico num filme de excelência, mas, também, a coragem de nos pormos do lado certo da história atual.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.