“Nem todos podemos ser fortes!”

Apelidamos de forte as pessoas que aos nossos olhos passam inculemos às tragédias e tropelias que lhes acontecem. Às pessoas que “não se vão abaixo”, que haja o que houver mantém um ar airoso aos olhos dos outros, mas será que existem pessoas assim?

Eu acho que não. Apenas há pessoas que não extravasam os seus sentimentos, dificuldades, infelicidades, que por mais difíceis que sejam as situações que lhe ocorrem não divulgam os seus sentimentos mais dolorososos. Há pessoas que erguem a carapaça cada vez que convivem socialmente, não para esconderem dos outros o que sentem (será que é um direito do outro ter livre acesso ao nosso ser?), mas para se protegerem e para tentarem prosseguir com as suas vidas e desfrutar do possível, e não a sobreviver.

Por vezes, as tragédias que nos assolam e atormentam, mesmo não sendo pessoas altamente sensíveis, ocorrem em conversas descomprometidas com conhecidos, amigos ou familiares. E ficamos de imediato emocionados, compadecidos ou magoados, injustiçados, indignados, ou apunhalados, com palavras proferidas em conversa ocasional pelo interlocutor. Foi de propósito? Não, provavelmente não (se foi afastem-se de quem vos faz mal ou fragiliza).

Ficamos emocionados ou magoados e isso faz de nós fracos? Ou devemos reagir de imediato e dizer o que essas palavras nos fizeram sentir? Talvez devessemos, mas nem sempre o conseguimos fazer no momento e isso também não impede que as palavras proferidas ecoem no nosso cérebro, que se instalem nas nossas entranhas e que se vinquem nos nossos actos futuros.

Alguém justificava esta semana a propósito de um comentário relativo ao facto de algumas pessoas terem nestas últimas semanas recorrido a comprimidos para conseguirem dormir: “Nem todos podemos ser fortes!”

Nenhum ser humano é forte, somos o animal mais dependente de cuidados físicos por outros e até mais tarde, é por isso que criamos e mantemos vínculos emocionais. E todos, em algum momento das nossas vidas sentimos: confusão, medo, dúvidas,  receios (agora lembrei-me da anedota das bolas de Berlim no alto do penhasco), angustias e dificuldades. E por isso é importante ensinarmos às nossas crianças que estes sentimentos são normais, que não nos fragilizam e que devemos permitir-nos senti-los assim como sentimos a alegria, a felicidade e todos os tipos de amor. Estar triste e preocupado não é sinal de que estamos deprimidos, é sinal de que temos sentimentos e que estamos vivos.

Os mais aventureiros perante as contrariedades arriscam, tentam novamente, fazem o que está ao seu alcance, os mais comedidos procuram consolo e eventualmente outro tipo de ajuda… Se existe algum problema de tomar comprimidos, não, desde que assim como nas relações afetivas esta ajuda não se torne uma dependência e que não se espere que os comprimidos façam desaparecer as agruras da vida a longo prazo.

Nem todos e nem sempre devemos parecer fortes. Cada pessoa tem um tempo e a cada contratempo pode precisar de mais ou menos ajuda para avançar, mas temos o privilégio de sermos um ser vivo único e singular e de ter uma viagem única para fazer. Só morremos uma vez, mas vivemos todos os dias que nos permitirmos.

E para terminar e dasanuviar deixo-vos a anedota das bolas de Berlim:

“Estavam duas bolas de Berlim em cima de um penhasco, e diz uma para a outra:

– Tens medo?

– Não, tenho rec$eio…”

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