Rui Porto Nunes: “A vida é feita de ciclos e é preciso respeitá-los.”

Ciclista, realizador de cinema ou actor: uma destas três profissões estava na mira de Rui Porto Nunes. O acaso e o trabalho encarregaram-se de fazer a selecção natural: nunca deixou as rodas da bicicleta e, em 2011, foi nomeado para o Globo de Ouro de Actor Revelação. Nesse ano, viria a ganhar a mesma categoria dos Prémios Alta Definição e Geração TV.

Pertenceu à escola de actores da geração “Morangos com Açúcar” e deu vida ao vampiro Afonso de “Lua Vermelha”. Entretanto, emprestou a voz a personagens de animação, passou por novelas e foi apresentador do programa “Curto Circuito” da SIC Radical.

Numa vida recheada de comédia, Rui Porto Nunes procura deixar os desafios do drama para a ficção.

Quando estás a interpretar personagens, juntas-lhes traços físicos, como tiques, formas de andar. Como é o processo de construção de uma personagem?

É verdade. O interessante de ser actor é criar, interpretar, reinventar, e estimular o nosso corpo, a nossa mente, e até mesmo a nossa alma. Não há fórmula, não é matemático. Há métodos, é verdade. Mas é tão pessoal, tão meu, tão íntimo, que a única coisa que posso dizer é que tenho um prazer enorme cada vez que me dedico a “construir” uma personagem.

Para interpretar o vampiro Afonso na série “Lua Vermelha“, emagreceste cerca de 12 quilos. Para interpretar o Diogo de “Jardins Proibidos”, tiveste que engordar. Incomoda-te de alguma forma que a representação implique alterações no teu corpo, que obviamente permanecem para lá do momento em que tens que estar em frente às câmaras?

Faz parte do meu trabalho. Confesso que até gosto! É uma forma de marcar o meu percurso, uma forma de estar nesta profissão. Para mim é, e sempre será, um prazer transformar-me: fisicamente ou interiormente.

E essa entrega também se manifesta a nível psicológico. Numa entrevista à revista “Vidas”, disseste que foi precisa uma entrega muito grande à personagem cómica Vítor Barbalho na novela “Rosa Fogo”. O nível de exigência que sentiste pode ser explicado pelo facto de o drama ser mais comum do que a comédia na vida de todos os dias?

Não concordo. A comédia está muito mais presente nas nossas vidas. Pelo menos na minha vida é assim! É certo que o drama tem um peso muito maior, e acaba mesmo por deixar marcas, muitas delas profundas, em cada um de nós. Mas isto sou eu enquanto pessoa. Enquanto actor sim, prefiro o drama, ou algo fora da caixa. A exigência a que me referi na altura foi por falta de ritmo em núcleos de comédia, por falta de timings no género. E isso exigiu um trabalho muito maior da minha parte, porque, enquanto que a personagem estava segura, faltava encaixar no tempo e no espaço cómico do núcleo. Mas isto foi uma limitação minha enquanto actor e não enquanto pessoa. Mas no fim o resultado foi positivo, e é isso que importa.

Em dobragens, entregas a tua voz a desenhos animados e a pessoas. Quando vês o resultado final, ainda sentes que és tu que estás por detrás daquela imagem? Ou é uma vida à parte da tua?

Boa pergunta. Depende do filme. Por exemplo, no “HOP” senti que era eu no corpo de outro actor, o que acabou por ser interessante, e até mesmo divertido. Já no filme “Como Treinares o Teu Dragão 2“, senti que era uma personagem, algo exterior, que não eu. E esse processo, enquanto actor, é muito desafiante e estimulante.

A personagem a que deste voz no filme “HOP” está a viver as peripécias da transição entre a adolescência e a responsabilidade da vida adulta. Passaste por esse sentimento?

Não sei se passei por esse sentimento. A verdade é que me diverti muito!

O tempo que passa traz com ele alguma amargura sobre aquilo que podia já ter sido feito?

O que está feito está feito. Só posso olhar para trás e perceber o que fiz de mal, aprender e evoluir. Assim como perceber o que funciona e continuar a potenciar isso mesmo.

Se te dessem a hipótese de poderes viver eternamente (à semelhança de um vampiro, mas sem a parte má dos impulsos animalescos), aceitarias?

Não. A vida é feita de ciclos e é preciso respeitá-los.

Praticar motocross – e a adrenalina que o desporto envolve – está relacionado com uma vontade de querer viver as emoções ao máximo? 

Também. Mas por outro lado sou um apaixonado pelo desporto, e a juntar a isso tenho uma veia competitiva muito grande.

Querias ser ciclista de alta competição, mas uma doença trocou-te as voltas. Antes de isso ter acontecido, alguma vez tinhas pensado em ser ator ou realizador?

Eu já devorava de cinema, e era uma hipótese, apesar de remota, muito presente na minha cabeça. O futuro encarregou-se do resto.

Deixaste Portalegre e foste para Lisboa estudar Realização e Cinema e tentar a sorte na representação. Lembras-te do momento em que te apercebeste que estavas realmente longe de casa? E que estavas por tua conta, para fazeres o que achavas que tinhas a fazer? 

Não houve um momento, houve vários. Uns bons, outros menos bons. Mas faz parte do processo de aprendizagem. Se dissesse que esse processo já terminou, estaria a mentir.

Os “Morangos com Açúcar” foram uma verdadeira “escola de atores”, como comummente se diz? 

De actores e de pessoas! Uma experiência a todos os níveis. E tão bom que foi!

Houve algum momento em que sentiste que não fazia sentido ter ido para Lisboa e arriscar?

Nunca!

Há algum filme que todos devêssemos ver, pelo menos uma vez na vida?

Crash“. [first lines] “Graham: It’s the sense of touch. In any real city, you walk, you know? You brush past people, people bump into you. In L.A., nobody touches you. We’re always behind this metal and glass. I think we miss that touch so much, that we crash into each other, just so we can feel something.”

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