
O continente americano, os Estados Unidos da América, a terra de oportunidades infinitas (de outrora?), representou (representará, ainda?), diacronicamente, o ideal de Novo Mundo, de esperanças e crenças, de sonhos, porventura quimeras, mas também de trabalho, crescimento e conforto. Sim, as questões em parêntesis têm de lá estar – superpotências levantaram-se, nos últimos anos, e os Estados Unidos já estiveram menos na corda bamba.

A opinião é unânime na comunidade dos especialistas em relações internacionais – não há uma resposta exacta, ou simples acerca do fim da hegemonia ocidental. Existem argumentos e contra-argumentos que se debatem para a plausibilidade dessa questão se pôr e pouco mais que isso. Tito Vigevani, doutorado em História, pela Universidade de São Paulo, pensa que ‘‘um possível declínio da hegemonia americana é uma discussão que consome o pensamento universal há pelo menos cinquenta anos. Não se pode dizer com certeza que há uma decadência, mas indícios de problemas (…) como o facto de que, em 1945, a economia dos Estados Unidos representava aproximadamente 40% da mundial e hoje caiu para menos de 20%”.
Não deixa de ser verdade que os Estados Unidos ainda são a maior economia mundial, porém, se se olhar para o pódio, sobressai uma dupla temível, representação do poderio asiático – China e Japão –, transfigurando, de certa forma, o epicentro económico. A China que, considerando o PIB – produto interno bruto –, é a 2ª maior economia mundial passou os últimos anos a redefinir, a título de exemplo, as suas forças armadas. Numa aliança militar com a Rússia, a China tem-se assumido como uma das maiores forças a este nível no Mundo, o que por si só constitui uma alfinetada no estatuto norte-americano. Este aspecto foi notícia após a divulgação de um estudo levado a cabo pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, que abordava não só a dimensão dos exércitos, como também a proliferação nuclear, ou a vertente financeira. Noutro plano, a economia chinesa foi a que mais cresceu, olhando para os últimos 25 anos, destacando-se a redução acentuada da pobreza e a postura que o país adoptou perante o mundo, abandonando, há três décadas, um sistema de base soviética, obsoleto e fechado ao comércio internacional, representando, actualmente, uma forte economia de mercado e um papel fundamental para a economia global.
O Japão, por seu turno, com a sua economia focada, sobretudo, no comércio e na indústria – ainda que em menor percentagem que os chineses -, tem como fortaleza um sistema bancário seguro e bastante consolidado. Com um mercado interno assaz desenvolvido, os japoneses possuem igualmente um enorme poder de compra, gerando riqueza, para a qual contribuirá também a enorme capacidade de exportação dos seus produtos industrializados.

Kishore Mahbubani, notável académico singapurense e antiga figura do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Singapura por mais de trinta anos, tem vindo a defender, tendo por base análises económicas, que o monopólio americano está a perder força, principalmente, para as duas grandes forças asiáticas. Aquando da reeleição de Barack Obama, no mês passado, Mahbubani referiu que esse bem podia ser o dia mais feliz da sua vida… mas também o mais infeliz. Se, por um lado, Obama acabara de se lançar no segundo mandato, derrotando Mitt Romney, por outro, é exactamente o período desse segundo mandato que se poderá tornar uma das maiores pedras no sapato de toda a história da economia norte-americana.

Ora, Mahbubani chega mesmo a apontar o monopólio americano como uma pseudo-hegemonia ocidental, na qual grande parte da sociedade acredita cegamente, algo que considera uma aberração. ‘‘Não faz mais sentido acreditar nisso. Eu sei que a posição que defendo causará atrito e leva as pessoas a saírem da sua zona de conforto, mas a verdade é que eu só tento abrir os olhos das pessoas, mostrando-lhes que este século será o ponto de mudança e que tudo será muito diferente. Os Estados Unidos, em breve, deixarão de ser a maior potência, se é que já não deixaram de ser’’.
Na verdade, prevê-se que, já em 2016, a China detenha a principal economia do mundo, relegando os Estados Unidos para o segundo posto. ‘‘É um desafio prometer a criação de empregos e ter como bandeiras a globalização e ser de raça negra, mas Barack Obama será o nome que constará na cabeça de todos, quando se consumar a China como número um, e, claramente, os Estados Unidos não estão preparados para serem o número dois’’.
A posição da União Europeia neste filme, que até parece comprado na loja dos 300, é a da quase indiferença. Convenhamos, a União Europeia, ou a Europa, melhor dizendo, não requererá protagonismo em filmes alheios – tem a nada fácil tarefa de se livrar da crise há muito instalada em alguns dos seus estados-membros e que vem corroendo estratos sociais, de forma crescente, a ponto de esse ser o seu verdadeiro imbróglio. Crise, essa, que também não é estranha aos Estados Unidos da América e que ainda não foi debelada. De tal forma que desimpede a China e também o Japão de continuar a sua perseguição ao estatuto de maior força planetária, economicamente. Isto, perante uma América que ainda se reergue da grande recessão, que veio a desencadear toda a crise sentida também sobretudo na Europa e que começou a partir da queda do gigante banco de investimento Lehman Brothers, em 2006, à qual se seguiram outras importantes insolvências, como, a título de exemplo, a da seguradora AIG.
Cristina Pecequilo, especialista em Ciência Política e Relações Internacionais, confirma a tese advogada por Mahbubani, mas, por sua vez, diz que ‘‘um declínio efectivo não acontecerá brevemente’’. O estatuto dos Estados Unidos, aos olhos do mundo, ficou, para lá das questões económicas, afectado igualmente pela sua postura nas invasões ao Iraque e ao Afeganistão. Para Cristina Pecequilo, fora a relação dos Estados Unidos com outros países e a crise em si, as exportações ‘‘trabalham sobre uma base antiga, que sofre de gravíssimos problemas de produtividade, algo que não acontece com os gigantes asiáticos’’. Ainda assim, a moeda ainda é o maior trunfo da economia, claro está, e, nesse campo, o detentor do dólar ainda é a nação que domina o mundo, em crise ou não, e, à entrada para 2013, há certamente curiosidade para seguir a par e passo o que acontecerá por terras do tio Sam.