Velhos? Nem os trapos.

Muita parra e pouca uva. Uma frase que pode descrever, sem grande margem para erro, as enumeras discussões, acerca da sustentabilidade da Segurança Social em Portugal. Há uma enorme falta de transparência nos dados que vêm a lume, o que naturalmente fere de morte qualquer debate ou reflexão sobre causas e soluções, para este gigante com pés de barro.

Os estudos sucedem-se a galope, já as conclusões não lhes conseguem acompanhar o ritmo.

Acredito num enviesamento do assunto, como resultado de oscilações assentes, em interesses partidários. Muda o partido no poder, desfaz-se o caminho percorrido até então e volta-se ao ponto de partida, sem nunca se cortar a meta, nesta corrida de fundo.

Recordo, por exemplo, o famoso “Livro Branco da Segurança Social”, de 1998, que previa a insustentabilidade do sistema, já em 2020, face ao crescente aumento da esperança média de vida. Felizmente, estavam enganados.

Esperança média de vida, uma espécie de chavão, repetido vezes sem conta, nos tempos que correm, mas o que é afinal? Será o número aproximado de anos que um grupo de indivíduos, nascidos num mesmo ano, irá viver, se mantidas as mesmas condições de nascimento. De acordo com dados do INE, no nosso país, este indicador aumentou cerca de 10 anos em 40 anos.

Veja-se: em 1979, a esperança média de vida era de 71 anos e agora está nos 81. Portugal é o país da Europa com maior taxa de envelhecimento.

Agora juntemos a esta análise, mais alguns dados relevantes.

Queda acentuada no número de nascimentos

(Fonte: INE)

Queda acentuada da população ativa

(Fonte: INE)

Tal como o sistema está concebido, as contribuições arrecadadas pela SS, em cada momento, servem para pagar as pensões no imediato. Verdadeiramente ninguém está a descontar para a sua própria reforma. Nem ninguém tem, efetivamente, uma conta corrente na SS.

De um lado, a receita obtida através das contribuições dos empregadores e funcionários, do outro, a despesa com reformas e prestações sociais. A balança pende claramente para o lado da despesa.

(Menos nascimentos) + (Menos população ativa) + (População envelhecida) = Quebra de receitas

O gozo da tão desejada reforma está a cada ano mais difícil de alcançar, com a introdução do fator de sustentabilidade (variável que pretende corrigir o tal aumento da esperança de vida). Em 2021, essa idade será de 66 anos e 6 meses, algo bastante contestado em muitos setores da sociedade. Consigo entender e aceitar esta correção, mas, claro, que muitos fatores estão aqui envolvidos. Para quem está mais perto do fim da suposta vida ativa, não terá qualquer interesse em ver este direito empurrado para a frente, já para os mais novos esta medida poderá fazer sentido, como garante, embora ténue, da sua própria reforma, num futuro mais longínquo.

Reforma ou pensão de velhice é um valor pago mensalmente e que pretende substituir as remunerações do trabalho, depois de terminar a vida ativa. O conceito só por si já transporta uma carga negativa. Pensão de Velhice. Velhice, fim de linha. Fim de linha, morte.

Felizmente que, embora muito lentamente, o paradigma está a mudar e começa-se a olhar para a população com mais de 65 como uma enorme mais valia para a sociedade. Velhos? Velhos são os trapos e ainda assim…

Reforma, não tem de significar travão a fundo. Pode ser antes um novo começo. Acredito piamente que estas pessoas, podem continuar a contribuir ativamente para o bem comum, durante muitos anos ainda.

A esperança média de vida aumenta, porque há mais acesso a cuidados médicos, porque surgiram novos medicamentos, porque, efetivamente, muitas destas pessoas têm um bom poder de compra e tempo para cuidar delas. Então, estamos a falar de alguns milhares de pessoas efetivamente saudáveis, com dinheiro para gastar, cheias de saber e experiência de vida.

Muitos sonhos se perdem, simplesmente porque a sociedade é máquina feroz e eficaz a trucidar todos os que entram nos “sessenta”.

A felicidade das pessoas contribui muito positivamente para o bem-estar geral, quer ao nível da saúde física, quer da saúde mental, assim sendo, se tivermos reformados felizes, potencialmente teremos menos gastos no Serviço Nacional de Saúde, o que poderia compensar de alguma forma o aumento da despesa, do lado das pensões.

Reformado aqui, empresário em nome individual ali.

Ter uma renda fixa (reforma) garantida poderia ser uma rampa de lançamento para um negócio próprio. O tal sonho adiado, pela carreira profissional, pelos filhos pequenos… Reformado, mas a trabalhar em algo que seja prazeroso. Reformado, mas feliz. Reformado, mas de novo ativo e, claro, a pagar os seus impostos. Pequenas empresas, pequenos negócios que poderiam juntar a energia de jovens, com a sabedoria e a vontade de fazer, dos mais velhos. A mudança acontece.

As reformas de cu colado ao sofá e comando da televisão, entre mãos trémulas, já não estão na moda. O jogo da bisca, no jardim? Não há tempo para isso.

Que não nos iludamos. A falta de sustentabilidade da SS não se resolve com medidas de curto prazo, com tratamentos paliativos ou placebos São precisas ações de carater estrutural, que poderão e deverão ter efeitos no futuro.

A salários mais elevados correspondem contribuições mais elevadas.

Será fundamental reestruturar o sistema de ensino. Torná-lo mais flexível, mais elástico. O ensino deve saber adaptar-se constantemente às necessidades do dinâmico mercado de trabalho. Programas pedagógicos pesados, demasiado teóricos, desmotivam alunos e contribuem para mais desemprego. O ensino regular precisa também ele de grandes reformas. Assim, mais pessoas acabariam os cursos superiores, mais bem preparadas, mais jovens teriam acesso a carreiras mais bem remuneradas e, claro, a SS arrecadaria mais receita.

A emancipação feminina, a carreira profissional, os contracetivos, são fatores que estão a empurrar a maternidade para idades mais avançadas. A idade média das mulheres, ao nascimento do primeiro filho, ronda os 30 anos. Este fato faz com que cada mulher tenha em média menos filhos do que o desejado, para garantir a substituição de gerações. O número médio de filhos por mulher em idade fértil é de 1,41, quando deveria ser 2,1. Esta lenta renovação da população poderá ser o ponto chave do problema, aqui analisado.

Flexibilizar os horários de trabalho e dos infantários e escolas, acredito eu, poderia dar mais liberdade às famílias para poderem ter mais filhos.

Por falar em infantários, os públicos são escassos e exigem muitas vezes as chamadas “cunhas” para que uma criança neles ingresse. Os privados praticam preços exorbitantes. Estes dois factos contribuem muito negativamente para o tão desejado aumento de nascimentos.

Aumentar o número de cresces subsidiadas e balizar os preços praticados pelo setor privado são medidas que acredito pudessem ter impacto positivo na hora de se decidir sobre aumentar ou não a família.

Paralelamente, os portugueses passam demasiado tempo no local de trabalho. Deveríamos aprender com quem está à frente, nestas questões, como é o caso da Dinamarca, onde os horários laborais permitem uma maior disponibilidade para os pais acompanharem os seus miúdos.

Clara que já muito se evoluiu no que respeita a medidas de incentivo à natalidade, mas ainda há muito caminho a percorrer. Um trabalho e um investimento que, como sabemos, só terá efeitos lá mais à frente.

Existe um dado adicional, que pode trazer também alguma esperança a esta complexa equação. Fruto de fatores culturais, muitos povos, enfrentam a natalidade de maneira bem diversa da nossa e por isso a média de filhos por mulher, é substancialmente superior à média nacional. Acredito que os filhos dos emigrantes que residem e trabalham em Portugal, possam contribuir no médio prazo, para uma segurança social mais sustentável.

Na área fiscal, também aqui se pode continuar a trabalhar. É fundamental aumentar de forma exponencial, o leque de benefícios fiscais para famílias numerosas (3 filhos ou mais). Vejamos este custo adicional para o erário publico, como um investimento na tão desejada renovação da população e que trará garantidamente, o seu retorno.

Sistemas privados de gestão de pensões, deveriam ser opção para todos os trabalhadores e não estou a falar de complemento, como é o caso dos PPR, estou a falar da liberdade de escolha entre o sistema publico e um sistema privado. Um método que permitisse ao trabalhador, escolher a sua taxa de descontos, em função da qual, saberia sempre, qual a reforma esperada. A cada momento, poderiam ser efetuados ajustes, de maneira personalizada. É certo que seriam desviadas contribuições do tradicional sistema publico, mas também é certo, que o libertaria do pagamento das pensões, que, com o tal aumento da esperança de vida, é encargo cada vez mais pesado.

Tudo isto deverá estar devidamente enquadrado, numa economia saudável, com elevadas taxas de empregabilidade, que não nos esqueçamos.

É preciso captar investimento, desenvolver os diversos setores de atividade, diminuir a forte dependência do negócio do turismo, que, como sabemos é muito volátil e por isso, pode vir a revelar-se bastante perigoso,

Quem disse que ter mais de 65 anos é coisa chata?

Acredito numa maior integração dos nossos ‘menos jovens’. Acredito que eles têm muito para dar à sociedade. Estão cheios de sonhos adiados, de energia para fazer o que não foi feito, de vontade de aprender mais, de viajar, de partilhar, de arriscar, de abraçar…

Que possam gozar a sua reforma de maneira ativa e feliz, porque nunca é tarde para um novo começo.

Nota: Este artigo não contempla a situação de pandemia que estamos a viver, dado o enorme grau de incerteza envolvido. Tudo o que pudesse ser dito, seria pura especulação, porque ninguém verdadeiramente consegue prever o rumo da sociedade. Escrevo sobre a vida, tal como a conhecemos, até hoje.
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