Antes de reclamarmos do que não temos, que tal agradecermos pelas coisas boas que a vida nos dá e que tantas vezes nos passam despercebidas? É que esta tendência para olharmos para longe, para o que desejamos ter, muitas vezes faz-nos ficar desfocados do que está tão perto de nós, da vida real, de graça…
Na verdade, para muitos de nós, temos mais tempo vivido do que por viver. E se olharmos sempre para o futuro, que ainda não aconteceu nem sabemos se irá acontecer [tal como idealizamos], ou se estivermos sempre com o pensamento no passado, acabamos por existir num presente ausente. E tudo o que temos é apenas o agora. Pouco importa que lhe chamem de frase feita, de lugar-comum, quando o que verdadeiramente importa é a ciência simples que está na base da felicidade: as nossas pessoas, um bocado de Sol, uma esplanada à beira-mar, à beira-rio ou à beira-de-qualquer-coisa-boa; um gesto de bondade, a felicidade dos que amamos, um sorriso franco; umas boas gargalhadas, um olhar cheio de sentido, uma mensagem de amizade; a areia nos pés, o amanhecer ao som dos pássaros, o pôr-do-sol; um bom livro, uma boa música, um abraço, um beijo… Tudo de graça e tão simples que até parece mentira. Está tudo aqui, agora. Que mais podemos querer? Em que mais podemos crer?
A vida é tão boa se soubermos apreciar e viver as pequenas coisas em nosso redor, que no fundo são as maiores que temos. No entanto, porque a vida não passa de uma curta-metragem, convém que, mesmo com os olhos postos no futuro e com o legado do passado, mas sobretudo com a consciência no [do] presente, agarremos e não desperdicemos um segundo do azul do mar, das flores do campo, das cores do Outono, do cheiro da maresia, das esplanadas ao Sol, das nossas pessoas, das regras mais básicas sobre isto de ser feliz, a um palmo de distância. Grátis.
A questão é que, na maior parte das vezes, o clique para a importância das coisas boas da vida dá-se quando sofremos uma ameaça, quando as perdemos ou quando fazemos desvios irreversíveis na nossa caminhada, coisas essas que, por serem consideradas como dados adquiridos, não foram verdadeiramente vividas nem valorizadas, não obstante estarem e terem estado sempre ao nosso lado. E é aí que pensamos nos “ses”… Por isso, vamos sempre a tempo de olhar com olhos de ver e de encarar como oportunidades o que a vida nos vai colocando no caminho, sempre com o fascínio e o encantamento de iniciante, de modo a nos darmos a oportunidade de ser a melhor versão de nós próprios.
É com Gracias a la vida que, há mais de 50 anos, Violeta Parra diz tudo acerca da gratidão pelas pequenas coisas da vida, que afinal são tão grandes… A cantora agradeceu à vida, de forma cantada, tudo de bom que esta lhe deu. Agradeceu, principalmente, o [seu] dom: o da música. E nós, quantas vezes erguemos os nossos braços para agradecer à vida? Há sempre por que agradecer…
Se não conseguirmos falar, como é que verbalizamos o que nos vai na alma? Se não pudermos cheirar, como é que compreendemos os aromas? Se não conseguirmos ver, como é que contemplamos a beleza do mundo? Se não conseguirmos sentir, como é que nos deliciamos com o calor do Sol? Se não conseguirmos ouvir, como é que percebemos as melodias dos pássaros?
Obrigada, vida!