Assim como tu

Nunca corras. Nunca olhes para trás, mas não deixes de tentar perceber, se ainda te perseguem. Quando enviares o teu currículo, tenta de forma brilhante ocultar a vila da margem sul onde vives ou não te darão o estágio. Tenta mostrar que não estás armado. Não te esqueças que a saia tem de ficar abaixo do joelho ou podem pensar que te estás a oferecer e o pior acontece. Acontece sempre.

Não importa, és branquela, preta, chinesa, de certeza que não te misturas com ninguém, roubas qualquer um que se move, é próprio da tua gente enganar.

Em pleno século XXI, ainda se vive, inspira-se e transpira-se preconceito. Num dos cargos políticos mais importantes de um dos países que se intitula um dos maiores do mundo, um homem apregoa alto e a bom som o seu preconceito para com os outros, delimita fronteiras terrenas e psicológicas. Quando foi eleito espelhou que a par do terrorismo, existe uma outra faceta muito triste da realidade: a de que ainda há forma de certas ideias chegarem ao poder e que reflectem, por isso, as ideias de todos nós.

Globalizamos sofrimentos e crenças que nos incutem à medida que crescemos e que pensamos serem as verdadeiras já que nos fazem sentido. Julgamos os outros porque nos tentamos proteger do que nos rodeia da única forma que aprendemos: catalogamos. A sociedade define-se por catálogos: és lésbica, és gay, és preto, és alto ou baixo demais, não prestas.

Afinal, o que é que presta? O que é que define o ser perfeito numa sociedade? Na mais ilusória noção de que de facto existe uma perfeição global, é preciso ser-se perfeito? Porque julgamos? Será que não aceitamos os outros por não nos aceitarmos? Temos medo?

Nunca aceitámos o facto de que nas imperfeições que julgamos serem as nossas se traduzem as nossas perfeições. Não percebemos que as nossas diferenças nos distinguem e nos tornam únicos. Somos educados e educamos baseados nos nossos medos e numa forma de ver o mundo, sem pararmos para nos questionar se é verdade o que nos têm estado a ensinar. Todos o fazemos. Não há excepções.

Sim, o medo é necessário, Sim, temos de avaliar quem temos à nossa frente. Não tenhamos ilusões, existem barreiras culturais, há formas de viver muito diferentes de outras, mas que igualmente se traduzem em pessoas únicas. Que mostram o mundo como um enorme puzzle. Que nos demonstram que não há outra forma senão respeitar. Ignorância gera intolerância e a violência surge transformando-se em mais violência.

Faz parte de mim e de ti o país onde nasci, a minha cultura, as minhas raízes. Faz parte de mim e de ti ser branquela, preta ou os meus olhos rasgados. Muito provavelmente, a amálgama de tudo isso. Onde vivo ou onde me criei deu-me parte da minha bagagem emocional. Mas não me coloques num catálogo. Sou uma amálgama de muitas coisas e de muitas cores. Sou, enfim, humana. Assim como tu és.

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