O início da igualdade

A morte de D. Fernando, em 22 de Outubro de 1383, deixa em aberto a sua sucessão. A sua filha, D. Beatriz, é casada com D. João, rei de Castela e a receber a herança do trono implicaria a perda da independência nacional. Dividem-se as facções políticas, uns a favor e outros contra, mas o mais importante deste período de 2 anos, 1383-1385, foram as revoltas sociais e as conquistas da arraia miúda, como lhes chamou Fernão Lopes.

A instabilidade social era uma realidade na segunda metade de Trezentos acompanhada pelo aumento da vagabundagem e do banditismo. A Lei das Sesmarias pretendeu encontrar uma solução equilibrada para esta situação bem como para o abandono dos campos e consequente falta de produção agrícola. São tempos conturbados cheios de reivindicações do povo por uma maior justiça social e por uma participação no governo dos concelhos. Aliado a esta situação há ainda a assinalar o problema da independência nacional e o cisma religioso que apunha Avinhão a Roma.

As movimentações populares criaram solidariedades, bem estruturadas, de modo diverso: horizontais, constituídas pela arraia miúda, ou seja, os menores dos concelhos que tinham como objectivo lutar contra as opressões senhoriais e as verticais, que englobavam o povo miúdo, os homens bons, a nobreza e o clero contra Castela, ao lado do Mestre de Avis ou contra Portugal, ao lado do rei de Castela e de D. Beatriz, lutando por aquilo que consideravam uma guerra justa em função de um bem público.

O assassinato do fidalgo galego João Fernandes Andeiro, Conde de Ourém e amante da regente D. Leonor Teles, por conjurados e cortesãos, fez despoletar novas ondas e revolta onde o ódio à regente e a Castela se entrecruzavam. Vai ser o motor de novos acontecimentos que marcarão a história nacional para sempre e abrirá novas perspectivas.

O cenário maior dos acontecimentos foi em Lisboa onde as exigências do povo deixaram transparecer as motivações comuns: a rejeição dos oficiais do rei falecido e servidores de D. Leonor Teles, odiada por toda a cidade, reivindicações de carácter político, exigem representação no Conselho do Mestre de 2 homens bons, letrados, assento na Câmara de Vereação de modo a assistir a tudo o que acontecia na cidade e eleição para todos os ofícios e cargo dos concelhos, em vez de nomeação régia.

Também já se encontram reivindicações de carácter fiscal, tais como o levantamento ou a proibição de colecta das taxas e serviços bem como a isenção da aposentadoria. A justiça social também era contemplada, pela necessidade da igualdade de todos os habitantes, ricos e grandes e poderosos, no pagamento de impostos, colectados consoante o rendimento (note-se a modernidade).

Num documento de 1 de Abril de 1384, está registada a grande vitória do povo miúdo e dos mesteres de Lisboa que conseguiram:

  • uma participação activa na vida do município;
  • uma colaboração, por intermédio dos seus representantes, no Conselho do Mestre;
  • a inversão dos privilegiados no pagamento dos impostos que seriam repartidos segundo a riqueza de cada um e a isenção dos menos ricos.

As mudanças estruturais da sociedade portuguesa afectaram a nobreza e o povo e podem ser sintetizadas pelos seguintes pontos:

  • vulgarização de certos conceitos sociais inicialmente aplicados só aos fidalgos, como o título de vassalo ou de criado do rei;
  • decadência de certas categorias nobres que desaparecem, como rico-homem e infanção;
  • criação das Casas Senhoriais dos Infantes, filhos de Inês de castro, que seriam um grupo social de fidalguia, antes dos condes e dos ricos-homens;
  • alargamento do número de condados;
  • ascensão do grupo de letrados e aparecimento dum 4º estado social;
  • distinção de uma elite económica, social e política, dentro de um grupo popular – os cidadãos;
  • ascensão dos homens bons dos concelhos ao concelho do rei;
  • ascensão dos meteres que passam a ter assento na Câmara de Vereação do Concelho de Lisboa, através dos seus procuradores;
  • defesa de uma mais justa repartição social e fiscal na luta contra o privilégio.

Com toda a certeza, os mesteirais foram os grandes vencedores desta luta e teriam sido os cabecilhas dos levantamentos. É o grupo que está em ascensão social, aquele que tem mais força e apresenta mais determinação. Uma característica comum a muitos ” dirigentes ” é a facilidade em bem falar usando o discurso de modo a arrebatar as massas. O descontentamento contra a nobreza, em geral, era uma realidade que levava a actos de força e violência, a única linguagem que parecia funcionar naqueles tempos de gente inculta e iletrada. Está justificado o início duma nova era, revolucionária e cujos frutos se mantêm até aos dias de hoje.

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