Não há nada de nada em ti. Nada.
Esse olhar que guarda tudo aquilo que eu quero compreender, que exige silêncios e transporta gritos, que propõe obscenidades, não é nada.
Não adianta sequer falar dos delírios presos às tuas pestanas semicerradas e que podem despir ou matar.
Ou a forma que tens de acariciar distraidamente o pescoço enquanto falas, as pontas dos dedos cheias de sugestões e arrepios por causar.
Não, nem isso.
Nem quando passas a língua pelos lábios, os mordes até sangrarem, os limpas com as costas da mão, selvagem e inocente.
E não vou pensar na maneira indiferente e ufana de tocares no cabelo, de transportares os gestos que fazes, de sorrires para ninguém.
Nada, mil vezes nada.
Nem me quero lembrar de como passeias pelo mundo, parece que suplicas abraços para curar um desconsolo, quando na verdade carregas uma declaração de independência e de solidão, felicidade que não queres partilhar.
E também não me apetece dizer-te que é uma ousadia estares sempre a cruzar-te comigo, a observar-me sem intenções e a desarranjar-me o espírito.
É que não há mesmo nada de nada em ti.
Por isso tento não te transformar em poema quando imagino que vives fora de relógios e de obviedades, absurdo e livre, voando errático que nem águia-poeta que sabe segredos que não existem.
Sim, é por isso, porque não há nada em ti. Nada.
Não há mesmo nada de nada em ti de que eu goste.