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Maestro

Aviso: Contém spoilers

Já vos aconteceu estarem a olhar para algo que toda a gente parece adorar e simplesmente não perceberem a piada, ao ponto de se interrogarem se estão a ver a coisa certa? Foi o que me aconteceu com Maestro.

Foi tarefa para três noites e durou certamente mais de seis horas ao todo. Isto porque interrompi o filme várias vezes para pesquisar pequenas coisas que me soavam mal, ver entrevistas, procurar a razão de certas escolhas. Tudo para chegar ao fim com uma aversão a Bradley Cooper que antes não tinha.

Logo ao início, algo na linha temporal do filme não fazia sentido. Primeira pausa. Temos Bradley Cooper com cerca de 48 anos a interpretar Leonard Bernstein com 25. Embora aprecie a auto-confiança do actor, já se fazem coisas fantásticas com caracterização ou CGI para que os actores pareçam mais novos. Continuei. Não me conseguia abstrair da voz demasiado nasal, que não me lembrava de ouvir em Bernstein. Parei e liguei o Youtube para ver entrevistas. Não, o maestro não falava “pelo nariz”. Se a culpa foi da famosa prótese ou não, não consegui averiguar. Mas percebi também que não era só a voz nasal que me chateava: a cadência do discurso, a forma afectada de falar, a espécie de sotaque trans-atlântico, não encontrei nenhum deles no original. Apesar de muitos comentários dizerem que o actor conseguiu captar perfeitamente os maneirismos de Bernstein, a verdade é que este falava de uma forma muito mais fluida e relaxada.

Continuando com pormenores que só distraem e não contribuem nada para o filme, já farta dos planos de cara de Bradley Cooper de olhos azuis arregalados e boca entreaberta, que fazem parecer que este estava mais preparado para interpretar Sarah Brightman, de repente percebi que outra coisa me incomodava: Bernstein não tinha olhos azuis. Fui à procura de explicação da escolha, na esperança de uma alergia a lentes de contacto, mas o que encontrei foi que Cooper decidiu manter os seus “olhos azuis penetrantes”. Confirmei aquilo que já pensava a essa hora: este filme não é sobre Leonard Bernstein, é sobre Bradley Cooper.

Em termos de argumento, este filme poderia ser sobre música, visto que tem como personagem principal um maestro e compositor, mas a primeira cena inteiramente musical surge quase aos 90 minutos, com a recriação do concerto na Ely Cathedral em Inglaterra em 1973, cena esta que é um autêntico oásis dentro do filme. Poderia ser sobre as dificuldades e o anti-semitismo que Bernstein sentiu ao tentar afirmar-se no meio, mas também não é. Podia ser sobre a sua paixão por filosofia, principalmente por Voltaire, que o levou a escrever a opereta Candide, ou sobre a sua constante tentativa de compôr uma obra comparável às dos mestres clássicos, algo que não conseguiu e o deixou numa dicotomia entre ser um maestro excelente ou um compositor mediano. Mas este filme retrata quase exclusivamente os problemas conjugais e a bissexualidade de Bernstein, fazendo as vezes de uma revista cor-de-rosa cinematográfica que reduz um génio musical aos seus parceiros sexuais.

A fotografia, embora bem conseguida no efeito de recriar o preto-e-branco típico da época, deixa alguma confusão em relação aos momentos de transição entre o monocromático e a cor. O momento “Old Hollywood”, em que Bernstein dança para Felicia em cima de um palco, pareceu interessante ao início, trazendo um certo saudosismo do género e dando um carácter onírico à cena, mas quando o tentamos enquadrar na estética do resto do filme, parece tão desconexo que me deixa a pensar que só existe para mostrar que Bradley Cooper tem mais um talento.

Contudo, nem tudo em Maestro é mau. A caracterização do envelhecimento de Bernstein está realmente bem feita, muito credível e à prova de close-ups, fazendo com que à medida que o filme avança, Cooper se torne cada vez mais parecido com o original. Na minha opinião, o único Óscar que o filme merece é nesta categoria. A interpretação de Carey Mulligan é fantástica, entrando na personagem de Felicia de forma tão natural e sem esforço, que se torna mais memorável que todo o filme.

Sei que estou em minoria (embora não sozinha) nesta opinião, mas Maestro falha como biografia, na medida em que quem vir o filme sem conhecer a vida e obra de Leonard Bernstein vai ficar com uma péssima ideia dele, nomeadamente como um marido e pai de família terrível e sem saber nada sobre a sua música, percurso pessoal e profissional. Eu só o consigo descrever como um exercício de ego afectado e auto-indulgente da parte de Bradley Cooper e a mais desavergonhada caça-ao-Óscar desde que Jodie Foster fez de Nell nos anos 90.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.

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