Lisete, nome de guerra

Largo do Corpo Santo. Uma mulher, vestida de escuro, encostada a uma porta, de pé bem firme na mesma e joelho saliente, olha para os transeuntes como se fossem a sua salvação. Não precisa de falar, o seu semblante mostra como a vida lhe tem sido pesada e dura. Aquele é o lugar onde busca o sustento, onde se esquece de quem é e vive, por breves momentos, um pedaço de vida sem preocupações. O que virá a seguir logo se vê.

A ironia do destino é o nome que está na placa, por cima da sua cabeça. Corpo Santo. É com o corpo que se governa, com ele dá prazer e pouco mais recebe em troca. Isso do tal de prazer é para os clientes, que o amor se faz com o seu homem. Só com ele o pode sentir e desejar. O resto é negócio. E ali, naquele local de passagem para a rua de chão pintado de cor de rosa, há muito turista que a olha com luxúria.

Os anos foram passando e a menina que foi deu lugar à mulher que agora é. Ficou com o mesmo canto que a sua mãe havia herdado da sua avó. Raio de vida de nepotismo que não amealha valor nem posição. Apenas um pedaço de pessoa que nem de ser é apelidada. A alma, aquilo que a podia fazer mudar, há muito se foi, roía pela necessidade e pela violência a que se sujeitou.

Lisete não é o seu nome, que esse não quer revelar. Afinal ainda sente algum pudor. Esconde-se numa espécie de capa invisível como se fosse possível fugir ao destino que lhe foi traçado ao nascer. Nunca conheceu outra, vida nem sabe que pode ser outro alguém. Aceitou-a. Um dogmatismo que a igreja, mesmo ali ao lado, condena e apoia. Uma incongruência bizarra.

Nos tempos de maior carência, há sempre onde recorrer, mesmo que a vergonha seja maior do que deseja. Não gosta de esmolar, mas nem sempre a fome a deixa de incomodar. O seu homem fica-lhe com o dinheiro e ele tem uma vida que não pode descurar. Quis trabalhar sozinha, mas as chapadas que levou fizeram-na mudar de ideias. Com empresário funciona melhor, pensa deste modo para se tranquilizar.

Nos dias de sol, há mais clientes novos, daqueles diferentes, mas que sabem onde buscar o prazer. Afinal somos todos pecadores e a carne tem apelos que o corpo entende. O que não entende é o que dizem, mas isso não é relevante. Desde que cumpra a sua função e seja remunerada, o resto não serve de nada. Nem sempre são homens que a procuram. As mulheres também são afoitas. E nos dias bons são casais que gostam de variar.

Lisete é apenas uma entre tantas que deixaram de ter rosto. São somente um suporte, um corpo onde os necessitados se afogam de livre vontade. É o porto seguro de marinheiros ébrios, o cais de atracação de passageiros errantes, o seio de quem não se soube resolver. Sem o saber, presta um serviço de grande valor, é a psicóloga perfeita que resolve vários males.

Largo do Corpo Santo. A esquina está vazia. Ausentou-se para mais uma cruzada. Esta não tem espada nem cruz, mas provoca satisfação. Não aquela que alguns pensam ser a salvadora, mas somente a temporária e que permite que a dureza da vida possa apresentar lados mais poéticos. Lisete é o veículo para um momento que se esfuma num tempo indefinido.

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