Inês de Castro, fidalga galega de rara formosura, fez parte da comitiva da infanta D. Constança de Castela, quando esta, em 1340, se deslocou a Portugal para casar com o príncipe D. Pedro. Sendo de nobreza com menores pergaminhos, o seu futuro seria como aia de uma senhora com um título superior. Nessa conformidade o seu destino estaria assegurado.
A beleza singular de D. Inês despertou desde logo a atenção do príncipe D. Pedro, que veio a apaixonar-se profundamente por ela. Desta paixão nasceu uma ligação amorosa que provocou um enorme escândalo na corte portuguesa, motivo pelo qual o rei resolveu intervir, ao decretar a expulsão de Inês de Castro, que veio a instalar-se no castelo de Albuquerque, na fronteira de Espanha.
Constança morre de parto, em 1345, sendo que a ligação amorosa se estreita ainda mais. Sem senhora para acompanhar, o natural seria o regresso à origem, a Galiza. Contrariando a determinação do rei, D. Pedro manda que D. Inês regresse a Portugal e instala-a na sua própria casa, onde passam a viver uma vida de marido e mulher, tendo gerado quatro filhos.
Afonso, o primeiro filho, morreu com pouco tempo de vida. Seguem-se João, Diniz e Beatriz, pessoas que tiveram papéis de relevo na vida política e diplomática, tendo deixado uma marca bem potente. Ainda houve uma quinta gravidez, que não chegou ao seu final pelo facto de Inês, a mãe, ter sido espoliada da sua própria vida.
Os conselheiros do rei aperceberam-se dos cuidados com que o herdeiro do trono português recebia os irmãos de D. Inês e outros fidalgos galegos. Insatisfeitos e preocupados, chamaram a atenção de D. Afonso IV para os perigos que poderiam advir, uma vez que seria natural antever a possibilidade de vir a criar-se uma influência estrangeira sobre a política portuguesa.
Assim, persuadiram o rei de que esse perigo poderia afastar-se definitivamente se se cortasse pela raiz a causa desse perigo: a influência que D. Inês exercia sobre o príncipe D. Pedro, o homem que um dia viria a ser rei de Portugal. Para que tal tarefa fosse eficaz, seria necessário eliminar D. Inês. O problema foi abordado, na presença dos conselheiros do rei em Montemor-o-Velho e aí ficou resolvido que Inês seria executada sem demora.
Quando D. Inês tomou conhecimento desta resolução, foi ter com o rei, rodeada pelos filhos, ainda crianças, para implorar misericórdia, uma vez que ela se considerava isenta de qualquer culpa. As súplicas de Inês acalmaram D. Afonso IV, tendo ficado dividido entre o amor que sentia pela pátria e o que nutria pela mãe dos seus netos. Uma decisão difícil de tomar.
Contudo, após pesar as duas, desloca-se a Coimbra para que se desse cumprimento à deliberação tomada. Sem pena nem agravo, estava decidido o futuro do reino. A execução de D. Inês efetuou-se no dia 7 de Janeiro de 1355, segundo o ritual e as práticas daquele tempo.
Anos depois, em 1360, D. Pedro I, já então como rei de Portugal, jurou, perante a sua corte, que havia casado clandestinamente com D. Inês, um ano antes da sua morte. Efectivamente esse casamento ocorreu, no Castelo de Moterrey, tendo dado lugar a um registo paroquial, conforme costume. Nesse mesmo local encontra-se uma Senhora do Ó, para memória futura do assassinato de Inês, que se encontrava grávida.
Pedro, destroçado com a sua perda, tentou minorar a mesma e mandou construir dois esplêndidos túmulos, colocados no mosteiro de Alcobaça, para onde transladou o corpo da sua amada Inês, em 1361 ou 1362. Juntar-se-ia a ela em 1367. A posição primeira que foi pensada para os túmulos, seria lado a lado, com os pés virados a nascente, em frente da primeira capela do transepto sul, dedicada a São Bento.
Na década de 80 do século XVIII, os túmulos foram mudados para o recém-construído panteão real, onde foram colocados frente a frente. Em 1956, foram mudados para a sua actual posição, estando D. Pedro no transepto sul e D. Inês no transepto norte, frente a frente um ao outro e sempre visíveis.
Quando os túmulos, no século XVIII, foram colocados frente a frente, nasceu a lenda que assim se encontravam para que D. Pedro e D. Inês «possam olhar-se nos olhos quando despertarem no dia do juízo final». Um amor que nem com a morte pode acabar e que será alvo de reencontro na eternidade próxima.
A tétrica cerimónia da coroação e do beija-mão à Rainha D. Inês, já morta, que D. Pedro pretensamente teria imposto à sua corte e que tornar-se-ia numa das imagens mais ricas e badaladas no imaginário popular, terá sido inserida pela primeira vez nas narrativas espanholas do final do século XVI, sem qualquer registo que a mencione.
Os anos passam, mas a lenda permanece e perpetua-se, com a sua pureza de sempre. A Quinta das Lágrimas, local onde terá ocorrido a morte de Inês, cujo crime foi ter amado de forma desmesurada, tem como testemunha do macabro e hediondo acto, umas pedras tingidas de vermelho, manchadas para todo o sempre, com o sangue da inocente.
Este amor apaixonou escritores e curiosos que não se cansam de louvar uma relação forte e única, que ultrapassou a morte e passou para a eternidade. Camões, o nosso grande poeta épico, soube usar as palavras certas para que Inês, aquela que se deu em puro amor, continuasse a ser a heroína que recebe o respeito de todos que se entrelaçam neste tão trágico romance.