É hora de almoço e estou em videochamada com a minha irmã. Ambas nos admiramos com a beleza da paisagem. Crescemos as duas na terra onde estou de telemóvel empunhado, com aquelas montanhas verdes ao fundo. Mas talvez nunca tenhamos reparado verdadeiramente no quão bem a serra fica ali.
Sem estarmos à espera, na noite do mesmo dia em que gabamos o que nos rodeia, as árvores que compõem esse mesmo verde ardem em fúria, com as chamas a escalarem a serra.
Num domingo diferente deste, inscrevi-me num workshop de colagem, ainda sem saber o que estava para chegar. Noutro domingo ainda antes desse, discuti as datas nas quais aconteceria a primeira viagem em família, ao fim de mais de 10 anos. No entanto, com o coronavírus imerso em Portugal e no mundo, as decisões tomadas nesses domingos nunca chegaram a tornar-se em planos concretizados.
Semanas depois, tinha uma consulta no dentista, era preciso ir de comboio, mas a CP estava em greve. Não marquei um cruzeiro no Douro, ante mais um fim de semana em que era suposto ir a casa e surge a notícia de um descarrilamento na CP.
E é entre todas estas banalidades de alterações de última hora que me culpo por ainda fazer planos. Sim, planear é essencial para a organização mental. Mas também é mentalmente esgotante, quando todo o esforço empenhado se esvai, num claro efeito-borboleta.
Não sei se foi mesmo o Pessoa quem disse “esperemos o melhor, preparemo-nos para o pior”. Eu cá ouvi isso, num episódio da “Anatomia de Grey”, que é todo um outro nível de profundidade. Certo é que quem o disse tinha toda a razão. A atitude descrita naquela expressão é a melhor forma de abraçarmos em paz tudo o que é inesperado. Porque tudo é incerto e (quase) nada é para sempre.
Num documentário que passou na RTP3, ouvi a Amália dizer algo como “quem é lúcido tende a ser catastrofista”. Nos últimos tempos, as incertezas em que embarco têm-no comprovado. O resultado é uma lucidez crescente, que enterra, aos poucos, o otimismo que afinal só nos engana. Certo?