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Estamos viciados em violência?

Todos nós concordamos que existem vários tipos de violência, apesar da imagem que criamos ao ler este título seja a violência do tipo física. Porque será? Talvez porque a visão seja o sentido com mais predominância no ser humano na captação de informação e todos nós somos inundados destas imagens ao vivo, fotografado ou filmado pelos meios de comunicação social.

O conceito de violência é tudo menos novo se remetermos à revolução agrícola onde lutávamos por quem tem mais terras ou gado, através de casamentos forçados ou de guerras, mais ou menos pequenas, mais ou menos planeadas, mais ou menos agressivas.

Creio que a violência é um o acto que advém da agressividade que existe em todos nós seres humanos, em uns mais que outros, e sempre foi uma consequência da necessidade de alguém ter poder sobre o outro, mesmo em situações reactivas como, por exemplo, proteger um ente querido que esteja sob ameaça.

A necessidade de controlo está na raiz do agressor quando falamos da violência deliberada. Ou seja, quando este nos quer controlar os pensamentos, acções, atitudes…no fundo, tirar o nosso poder pessoal em relação às nossas decisões e/ou poder de escolha. E assim agride, de várias formas.

A causa de qualquer violência, quer seja física, emocional ou verbal, de contexto deliberado, ou indirecto, está a meu ver, no desejo (e prazer!) de alguém tirar o poder ao outro e exercer o seu poder sobre ele. E para os indignados com a palavra “prazer”, esta vem da libertação hormonal, nomeadamente de serotonina, adrenalina e dopamina, que são libertadas no nosso cérebro quando agredimos de um modo mais ou menos violento alguém que queremos, no fundo, controlar. E esse desejo tende a aumentar, exactamente pelo prazer que provoca, como qualquer outra adicção.

Se vivemos numa sociedade onde a violência parece estar cada vez mais a aumentar é discutível. Isto, porque a agressividade é definida por sentimentos como o ódio e emoções como a raiva e, como todos os sentimentos, tem uma origem e um contexto que deve ser analisados num determinado espaço e tempo. Ora vejamos alguns exemplos.

Quando falamos dos tempos da Inquisição surge-nos uma imagem. Quando falamos de violência doméstica, surge outra. Quando falamos de guerras surgem muitas. Quando falamos de manipulação de informação na Internet ou sobre o poder das redes sociais sobre o nosso cérebro, talvez a imagem não seja, ainda, tão nítida.

O tipo de violência sobre a nossa identidade “virtual” é a que me assusta mais hoje em dia, mas parece ser ainda assunto tabu, ou pelo menos não tão relevante como a guerra na Ucrânia.

Desde o acesso mais ou menos permitido por parte da Internet ao nosso “telemóvel pessoal”, objecto que praticamente já ninguém vive sem ele, ao acesso (permitido ou proibido?) por parte do nosso familiar, parceiro ou amigo, que se poderá surpreender com o que encontra lá dentro.

Antes do aparecimento dos smartphones, mostrávamos o que queríamos mostrar, éramos quem queríamos ser, sem filtros, no seu devido espaço e tempo permitido por nós mesmos em primeiro lugar.

É ou não agressivo?

Onde, nos dias de hoje é que começa o meu espaço e acaba o do outro? Qual a linha que define o meu espaço e tempo pessoal, do social, do romântico ou do profissional?

Como são definidos limites numa era tecnológica onde o acesso a todo o tipo de informação é tão rápido e fácil, nem sempre verdadeiro e onde ainda um match é feito através de uma fotografia digital no espaço de um segundo?

Onde está definida e delimitada a nossa identidade virtual vs. a real e para onde caminha a verdadeira conexão humana?

Não estarão os nossos bens tão preciosos chamados tempo e espaço a ser roubados anonimamente e a nossa identidade a perder-se?

É ou não violento?

O tempo médio passados nos nossos écrans é de 7 horas por dia e aumentou cerca de 50 min por dia desde 2013 com a massificação de smartphones. Fazendo as contas são 106 dias – aproximadamente 3 meses e meio por ano.

Será esta uma guerra silenciosa? O que realmente está a ter tanto poder sobre as nossas vidas afectando drasticamente as nossas relações pessoais, sociais e por consequência a nossa saúde mental? E porque ainda pouco se fala disso?

Deixo a resposta para si, onde os seus olhos nos lêem através de um écran. Os mesmos olhos que veem as imagens da guerra na Ucrânia.

Será isto violência digital?

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Comments 1
  1. Não será esta guerra silenciosa alimentada por um exército de “ identidades virtuais” em total regime de voluntariado ?

    É nos apontada alguma arma a cabeça, para que estejamos 7 horas com os olhos colados num ecrã?

    Não estaremos nós a ser agressores e vítimas da nossa própria violência?

    O que nos impede de nos desligarmos do virtual para nos ligarmos numa conexão mais real?

    E o que será a violação da liberdade de cada um? Uma escolha que nós mesmo fazemos , ou a aquilo que nos é roubado ? Que nos destroem com mísseis, balas ou bombas!

    Será melhor estarmos no conforto do nosso lar a fazer “scroll” e a actualizar o “feed” das nossas vidas virtuais; ou viver diariamente em sobressalto com a possibilidade de o nosso lar ser violentamente destruído?

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