Uma leitura superficial atiraria o tema de fundo em dois segundos: as ditaduras militares do continente americano das décadas de sessenta e setenta. Contudo, o Dias e Noites de Amor e de Guerra é muito mais do que isso.
Conheci Eduardo Galeano com O Caçador de Histórias e nunca mais me esqueci daquela forma de escrita. Não é pela prosa fluida, frases de marcar na pedra, discursos filosóficos que parecem sair da Grécia Antiga. Nada disso. A forma assertiva e desassombrada como escreve acerca da vida, da sua e de outros parceiros de viagem, da morte e da questionável humanidade que encontrou ao longo de décadas, é o verdadeiro tesouro da sua obra. Mais do que uma obra biográfica e de história política, os livros de Galeano podem ser vistos como um ensaio sociológico.
O autor/personagem é apenas isto e tudo isto. O mundo não é criado, é reproduzido e vivenciado com os sentidos que raramente conseguimos encontrar num escritor. Galeano é único e representa inúmeros:
“(…)
A ditadura é uma rotina da infâmia: uma máquina que nos torna surdos e mudos, incapazes de ouvir, impotentes para falar e cegos àquilo que é proibido ver.
O primeiro morto por tortura desencadeou no Brasil, em 1964, um escândalo nacional. O morto por tortura número dez quase não apareceu nos jornais. O número cinquenta foi aceite como «normal».
A máquina ensina a aceitar o horror, como se aceita o frio no Inverno”.
Esta passagem recorda a pandemia em Portugal. Assuntos distintos, tempos diferentes, a mentalidade de sempre.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico