O insustentável peso do ser

De acordo com as estimativas da OMS, no ano transato, 800.000 pessoas puseram termo às suas vidas. Se dedicássemos um minuto de silêncio por cada uma, enfrentaríamos 556 dias de um silêncio ensurdecedor. Este número ultrapassa em milhares o das vítimas combinadas das cinco guerras em curso neste momento, que teimam em perdurar.

A compreensão deste cenário é um desafio para aqueles que nunca experimentaram as profundezas das doenças mentais, do desespero e da angústia, se é que podemos afirmar que alguém é verdadeiramente neurotípico, o que sinceramente não acredito. Mas talvez, para muitas pessoas, a magnitude deste problema permaneça oculta, nunca tendo testemunhado de perto o horror ou praticado o exercício de empatia em relação àqueles que enfrentam estas batalhas e que carregam um peso muitas vezes insustentável.

Sou diagnosticado como bipolar e, na minha juventude, quando as respostas não existiam e o desespero atormentava-me, experimentei o desespero de acreditar que o fim daquela dor intolerável estava em deixar de existir. Várias tentativas de suicídio se seguiram, todas ‘mal’ sucedidas. A viragem ocorreu quando o meu primeiro psiquiatra, o notável Professor Mário Simões, escreveu-me uma carta após a minha última tentativa. As suas palavras ressoaram profundamente, especialmente a ideia de que eu não queria acabar com a minha vida, mas sim com o que sentia e nisso, ele sabia como me ajudar. Essa carta mudou a minha vida.

A questão crucial que quero abordar é a irritante tendência de manter o suicídio como um tabu, uma prática que, sem dúvida, contribui para estes números alarmantes. Compartilhar a minha experiência pessoal é a minha forma de quebrar este silêncio.

Além das lutas com a doença mental, ‘nasci’ criativo, tal como acontece com todos nós, mas, ao contrário da maioria, consegui manter-me assim, dedicando quase quatro décadas a vender ideias para marcas e, mais recentemente, explorando poesia e pintura. A criatividade é inata, mas manter essa característica, especialmente após a transição para a idade adulta, exige outras, sendo a sensibilidade talvez a mais crucial. Indivíduos criativos absorvem intensamente o que os rodeia, e a realidade muitas vezes dolorosa do mundo pode ser avassaladora.

Pobreza, guerra, destruição ambiental, injustiças, corrupção e desrespeito pelos direitos fundamentais são constantes nas nossas vidas. Como uma pessoa ultrassensível, estas questões penetram profundamente em mim, como facadas que esvaziam a minha essência, causando uma dor e um buraco negro quase constante.

Com 56 anos, uma vida cheia e a ajuda da psiquiatria, medicação, os meus filhos, arte e escolhas conscientes, aprendi a mitigar esta dor. No entanto, nas fases depressivas mais intensas, a sombra da autodestruição ainda paira brevemente sobre mim.

Cada indivíduo é único e a minha experiência não é uma narrativa exclusiva. Suicídios, muitas vezes, surpreendem entes queridos, pois as causas não são claramente patológicas, os sinais são escassos ou nenhuns e o segredo é bem disfarçado. Este vídeo ilustra bem essa situação.

Não podemos transformar a sociedade da noite para o dia, mas podemos quebrar já o tabu e falar abertamente sobre o suicídio. Talvez um dia, assim como o meu médico fez comigo, as palavras certas serão ditas.

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