“Estou hoje particularmente perigoso, não me acontece nada, mas quando me acontece alguma coisa, escrevo um poema e hoje não me acontece nada (..)”
Ruy Belo, In “Homem de Palavra(s)”, Ed. Assírio & Alvim, 2011
Num tempo em que a literatura surge frequentemente associada a um constante foco mediático, a poesia de Ruy Belo oferece-nos uma alternativa: a possibilidade de habitar o silêncio. Um silêncio inquieto, sim – mas também fecundo.
Um lugar onde a linguagem se despe do supérfluo e a beleza não vem com luzes, mas com cicatrizes.
Ruy Belo não é um poeta para consumo imediato. A sua escrita não procura agradar, nem embalar o leitor numa imagética fácil. É uma poesia crua, acutilante, por vezes quase brutal na sua frontalidade, mas onde a beleza se infiltra como uma erva teimosa entre as pedras.
É esta tensão entre o rude e o sublime que confere à sua obra uma força rara, capaz de atravessar décadas e continuar a provocar impacto.
A linguagem de Ruy Belo é deliberadamente direta, quase despojada, no entanto, profundamente literária. Eu diria que existe uma certa economia de artifícios que confere à sua escrita uma honestidade quase desarmante. Não tem máscaras. Ou, se porventura, algumas possam existir – são as nossas – que caem à medida que lemos cada poema da sua obra.
Ruy Belo “obriga-nos” a encarar para o vazio, para o tempo, para a infância, para a morte e, sobretudo, para a condição humana. A sua poesia é uma espécie de espelho limpo onde não podemos deixar de nos ver, ainda que por vezes preferíssemos não o fazer.
Um dos traços mais marcantes da sua escrita é, a meu ver, a sua dimensão existencial.
A inquietação religiosa, a finitude da vida, o caos do mundo — tudo isto atravessa a sua obra, mas sem nunca cair no dogma ou no pessimismo gratuito.
O autor interroga-se mais do que responde. E fá-lo com uma lucidez que nos desconcerta: “O mundo não é propriamente um lugar habitável, mas é o único que temos.” Esta consciência radical da fragilidade humana é precisamente o que confere à sua poesia uma profundidade humana ímpar.
O impacto da sua escrita nos leitores não se mede em número de seguidores ou prémios – mede-se no legado literário que perdura. É uma poesia que permanece, que regressa, que nos assombra em silêncio.
Ao contrário de muitos, Ruy Belo não quis tornar-se figura pública, mas tornou-se, ironicamente, uma voz pública da intimidade. A sua permanente recusa do mediatismo não foi desinteresse: foi coerência. É parte do seu discurso poético. É a prova de que, na literatura, o que importa não é o ruído que se faz, mas a verdade das palavras que se dizem.
No panorama literário português, Ruy Belo ocupa um lugar singular. Não é apenas mais um poeta – é um poeta necessário. Porque nos lembra que a poesia, quando é verdadeira, não precisa de palcos. Basta-lhe a presença da página e o silêncio do leitor para se tornar imortal.
É nesse espaço íntimo, quase sagrado, a sua palavra faz o que poucas conseguem toca e importa muito.
Deixo-vos o pensamento do autor que resume a natureza imersiva da sua escrita.
“A poesia não é para compreender, mas para incorporar, para ser.”
Ruy Belo, in “A margem da alegria”, Editorial Presença, 1998