Trabalho, o futuro está no passado

Escrevo este texto diretamente num computador. O resultado é o mesmo, sim, mas podia escrever, como é habitual, num caderno para transcrição e edição para o atual formato word. Atualmente, escrever desta forma é olhado como perda de tempo. Para quê gastar tempo numa determinada tarefa, quando podemos realizar a mesma no seu formato final? Qual é o objetivo da compra de um relógio analógico ou digital, quando podemos ter uma smartband ou smartwatch? Espera, tens uma agenda quando tens um smartphone? Já agora, para quê a nossa presença em contexto social quando podemos utilizar aplicações de telemóvel? Concluindo, porquê ser humano quando podemos utilizar a nossa impressão tecnológica em qualquer circunstância?

O processo laboral não é exceção. A revolução tecnológica permitiu acelerar, ainda mais, o nosso quotidiano. É útil? Sem qualquer dúvida, não se coloca a opção de regredir neste sistema. Será que nos tornamos escravos da tecnologia? É uma excelente pergunta sem uma resposta à altura. Contudo, o nosso email de trabalho coabita com o nosso email pessoal nas aplicações do nosso smartphone. Qualquer email fora de horas pode ser analisado, muitas vezes respondido, quando devia imperar o descanso, desporto e lazer.

Podemos assumir, também, que só está refém desta condição quem quer. Será uma posição fechada, pessoal, intransmissível? Ou já se verifica que esta situação se torna comum na sociedade, roubando (ainda mais) tempo pessoal para o trabalho, enquanto o espaço pessoal e profissional se funde num só sistema? Será esse o objetivo final da entrada tecnológica, da necessidade de estar online o tempo todo, estar em todo lado ao mesmo tempo, assumir a presença digital quando é fisicamente impossível de outra forma. E, aí, a força laboral aproveitou a modernização do trabalho. O tempo poupado em tarefas repetitivas, com pouco ou nenhum estímulo intelectual, é deslocado, para não dizer subtraído, para uma nova exigência em ter mais e mais de todos nós.

Por outro lado, temos a experiência do teletrabalho durante a pandemia dos últimos anos. Um conceito pouco explorado até então e que resultou na manutenção da economia do nosso país. Já fora deste contexto, o teletrabalho em Portugal perdeu força, fruto da resistência de um importante número de empresas que prefere o modelo de trabalho tradicional. Em contexto pandémico ou não, o teletrabalho resulta num importante balanço entre a vida pessoal e profissional, no que diz respeito, por exemplo, ao tempo desperdiçado nas deslocações para o trabalho e que foi introduzido noutro tipo de tarefas do nosso quotidiano.

Será importante que assim se mantenha, sem os excessos das ligações fora de horas que a tecnologia parece exigir. Será importante, também, trabalhar a nossa capacidade de nos fecharmos aos ecrãs sempre que possível (o tempo passado em frente a um smartphone, consola ou computador já é amplamente debatido a nível nacional e mundial). Esta rotina permitir-nos-á separar as águas, colocar fronteiras entre o ambiente laboral e pessoal, assim como nos levará ao repouso, ao tempo necessário para desporto e socialização, e, também, ao tempo que possamos dedicar a nós próprios e à reflexão; no ritmo do mundo atual, parece que não sobra tempo para pensar.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Uma nova «geração rasca»?

Next Post

Há Poetas que não morrem: Ruy Belo permanece

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

À distância de um tiro

Após anos, séculos, milénios de evolução a raça humana continua a promover a violência, a desigualdade, a…

Redes (a)sociais

Algumas das coisas pelas quais seremos lembrados no futuro, quando arqueólogos e historiadores refletirem sobre…