Cabrona

Ela encontrou-o e logo se reativou a chama. Tinham sido namorados, mas a vida levou-os por caminhos diferentes. Num dia, como outro qualquer, cruzaram-se numa rua com nome conhecido. Sorriram, mas o olhar que lançaram foi ainda mais forte que o sentimento que persistia em ficar. Mediram-se e sentiram-se como antes, sem os estragos que a passagem do tempo deixa ficar.

Trocaram os pensamentos que estavam acumulados, mas não arrumados. Fizeram a terapia que se impunha. O magnetismo não tinha sofrido alterações. Ser vintage aveluda tudo e permite uma lucidez mais luminosa. Voltaram ao tempo em que não havia tempo e o agora era vivido em pleno. Amavam-se. Ainda. Para sempre.

Ela percebeu que tinha sido importante para ele. Os filhos que ele gerou com outras, receberam os nomes que tinham escolhido para quando tivessem os seus, naquela tarde em que se sentaram a ver passar os comboios. Ela sabia que não iam ficar juntos. Ele pensava que viviam no amanhã fofo e doce.

Deram as mãos e beijaram-se. Primeiro ao de leve e depois, quando aquela chama insistia em se reacender, com a mesma paixão e fulgor dos tempos juvenis e serenos, onde o sol nunca parava de brilhar, com tanto ardor que queimava só de olhar, sorveram-se de amor impossível e bastardo. Para sempre.

Foi o último momento. Ela sabia que não se voltariam a ver. Somente a sentir. Ele, confortavelmente instalado na nuvem de quimeras douradas, prometeu o que já havia prometido: o impossível. Ela chorou por dentro. Ele fez planos. Seguiram as vidas. Tal como antes.

Ele sentiu-se renascer como se a juventude tivesse acordado em si. Era novamente a Primavera que floria e que atiçava os cheiros e o amor era o mais poderoso e delicioso. Como era bom voltar a dar as mãos e saber que se entendiam. Os abraços repetiam as batidas do coração e os beijos, inocentes de ainda não saber tão intensamente sentir, soltavam-se amiúde.

O sempre nunca existiu e nunca se saberá que dia será o amanhã. Ele continuava a pensar nela como se fosse a menina que lhe deitou um olhar de esguelha. Ela sonhava com ele, numa terra do nunca onde tudo acontecia e fazia todo o sentido. A vida é uma refinada cabrona!

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