Estamos em 2025 e diz-se que vivemos num mundo que enfrenta uma crise de valores. Relativamente aos jovens, refere-se que não sabem diferenciar o certo do errado, são menos empáticos, mostram-se menos disponíveis para aceitar a diferença e preferem estar em frente aos ecrãs a estar fisicamente entre pares ou com outros seres (humanos ou animais).
Mas vamos por partes. O designado conflito de gerações é algo real e surge das visões que determinada geração tem do mundo e da forma como atua sobre ele. Cada geração tem o seu próprio estilo de vida, educação e experiências diferentes. O mundo muda e as pessoas têm de se adaptar e evoluir em função do contexto em que vivem. Por exemplo, viver num regime ditatorial não é o mesmo que viver em liberdade e os nossos comportamentos, formas de agir e de pensar adaptam-se ao meio que nos rodeia. Portanto, as condições históricas e sociais moldam as caraterísticas de uma geração.
Mas este conflito de ideais, formas de viver e de valorizar o aspeto «a» ou «b», que por norma opõe duas gerações diferentes, é uma novidade? Não, não é nada de novo. Basta recordarmo-nos do rótulo «geração rasca»[1] com que os jovens portugueses nos anos 90 do século XX foram brindados. Estes jovens do ensino secundário decidiram contestar a então ministra da educação, Manuela Ferreira Leite, devido à existência de provas globais de acesso. A eles juntaram-se os estudantes do ensino superior, opondo-se à existência de propinas. E fizeram-no de uma forma diferente do que se tinha visto em Portugal até então, com utilização de linguagem forte e não evitando o confronto com as forças policiais.
A sociedade portuguesa, sobretudo a mais conservadora, ficou chocada. Os jovens foram acusados de ser malcriados e mal-educados, sem valores (leia-se, com valores diferentes dos considerados importantes até então).
Facto é que a expressão provocou muitas críticas e tornou-se, mais tarde, um símbolo de contestação e oposição de valores entre gerações. Já em 2011, num período em que vida dos portugueses se encontrava fortemente condicionada pelas medidas da Troika, a expressão foi adaptada para «geração à rasca».
Entretanto, o mundo voltou a mudar. Todos aqueles nascidos a partir de 2000 conhecem uma realidade diferente, crescendo sob a forte influência da internet. No caso dos nascidos a partir de 2010, essa realidade é ainda mais latente.

A «geração alfa» – inclui as crianças nascidas precisamente a partir de 2010 – é justamente a visada com esta ideia de viver uma crise de valores. Considerada “uma das mais diversas e inclusivas d sempre”[2] germinou na era digital, dominando as novas tecnologias como ninguém. Mas também parecem depender delas como ninguém. A pressão para se estar sempre «ligado», para se estar sempre informado e para ter sucesso, nomeadamente nas redes sociais, aparenta pesar nesta geração.
É do conhecimento público que os níveis de dependência da internet entre os mais jovens são altíssimos. Os especialistas sublinham os malefícios da utilização excessiva dos ecrãs, sobretudo em idades muito jovens. Inibem o desenvolvimento da empatia, caraterística fundamental para a vida em sociedade.
Esta geração enfrenta um mundo em constante mudança e que gira a uma velocidade alucinante. É, até, um mundo dicotómico: por um lado as ameaças de instabilidade, com guerras em diferentes pontos do planeta ou com as alterações climáticas latentes, pautam o quotidiano; por outro lado as imagens de sucesso e riqueza de pessoas ligadas ao mundo do show business ou das tecnologias, ditam os padrões do sucesso e da felicidade. Perante isto, o que valorizar? Como agir? Em qual dos mundos escolher viver e que atitudes tomar perante ele?

Aparentemente a «geração alfa» tem todas as ferramentas necessárias para lidar com tantos desafios. Será capaz de o fazer? E as crianças nascidas a partir de 2025, a «geração beta», o que será que o mundo e a sociedade têm reservado para elas? Não é fácil responder a estas questões. O sentimento existente é que, mesmo considerando o conflito de gerações, o mundo enfrenta uma crise. Seja ela de valores ou identitária, estamos num momento de viragem, no qual se regride relativamente à consciência da existência de um conjunto de direitos e liberdades.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.
[1] Expressão utilizada pelo jornalista Vicente Jorge da Silva no editorial do jornal Público, dia 6 de maio de 1994, no âmbito das manifestações estudantis contra as provas globais.
[2] https://24.sapo.pt/opiniao/artigos/geracao-alpha-os-nativos-digitais-do-futuro