Se outrora os padrões de beleza eram ditados pelos meios de comunicação tradicionais, como a televisão e as revistas, a crescente presença das tecnologias fez transferir essa “responsabilidade” para as plataformas digitais, sobretudo as redes sociais.
A cultura digital trouxe-nos um maior e mais rápido acesso à informação sobre a beleza e cuidados pessoais: rotinas de skincare, tutoriais de maquilhagem, dicas de moda, conselhos de bem-estar e um sem fim de recursos que nos ajudam não só a explorar, mas também a desenvolver a nossa própria estética.
Essa cultura digital trouxe-nos novas referências onde procurar inspiração, e deu-nos autonomia para criarmos a nossa imagem e o nosso padrão de beleza, mas também de o mostrarmos ao mundo, convidando-o a fazer parte dessa nossa “noção do belo”.
Influencing e o corpo ideal
Uma vez que qualquer pessoa pode tornar-se influenciadora e definir o que é considerado bonito, é fácil encontrarmos na internet múltiplas perspectivas sobre a beleza, onde cada indivíduo pode encontrar representação e identificar-se com diferentes tipos de corpos, estilos e aparências. A liberdade de expressão e de opinião que encontramos nas redes sociais, permitem que as pessoas (não só influenciadores ou marcas ou figuras públicas) partilhem as suas opiniões, visões e identidades de forma mais ampla e instantânea. Isso tem dado voz a movimentos que defendem uma maior diversidade de corpos, desconstruindo os estereótipos tradicionais de beleza.
Por outro lado, é importante reconhecer que a cultura digital é muitas vezes palco de comparação e idealização de corpos perfeitos e vidas aparentemente idílicas. A necessidade de filtrar o que aparece – deixando apenas o que e bom, bonito e perfeito – leva-nos a acreditar numa vida que não existe.
Tudo filtrado
A constante exposição a imagens “photoshopadas” e à panóplia de filtros que temos à disposição pode levar a sentimentos de inadequação e baixa autoestima em algumas pessoas. A pressão para se encaixar nos padrões de beleza estabelecidos online pode ser esmagadora e levar a problemas de saúde mental. Quem nunca se sentiu mal após uma horinha de scroll no Instagram? Quem nunca fechou a app a pensar “esta acorda toda linda e eu estou aqui com este aspeto”?
Os filtros estão lá e as opções são infinitas: nariz afunilado, olhos mais claros, maxilar definido, pestanas longas. A beleza da perfeição e a perfeição na beleza, o supra-sumo dos ideais conseguidos através de ferramentas de manipulação de imagem e dentro de tudo isso começa o desejo por ser verdadeiramente assim e, em simultâneo, a repulsa pela nossa imagem quando assim não somos.
Façamos o paralelo dos filtros com o uso de maquilhagem, por exemplo, a partir dos 16 anos: começa por uma base, depois uma máscara de pestanas, junta-se o lápis de olhos, mais um eyeliner, mais uma sombra, mais um corretor, mais um batom, mais qualquer coisa. Comigo começou assim e comecei a usar maquilhagem todos os dias: para ir à escola, para ir às compras, para sair de casa, nem que fosse para ir pôr o lixo eu tinha de estar maquilhada – porque só assim é que eu me sentia bonita. Ver-me ao espelho sem essa parafernália de produtos era quase tortuoso. Tive que me obrigar a parar (soa a vício?) para voltar a aprender a gostar de mim sem todas essas alterações.
Agora já não é preciso recorrer à maquilhagem – posso escolher um de centenas de milhares de filtros, ou até criar um ao meu gosto, para me mostrar ao mundo exatamente como eu gostava de ser. Criar a ilusão de uma vida perfeita, vivida na plenitude, com eventos, com acontecimentos seguidos um atrás do outro.
FOMO – Fear Of Missing Out
O foco no instantâneo, no imediato cria uma versão idealizada de nós mesmos – aquele minuto, aqueles segundos de vídeo parecem ser a vida toda, quando na verdade são apenas segundos, muitas vezes gravados vezes sem conta até se acertar no ângulo e/ou no discurso. Isto pode criar uma desconexão entre a realidade e a aparência online, reforçando a importância da imagem perfeita em detrimento da autenticidade e do autocuidado.
Vemos todos os eventos, todos os acontecimentos e ficamos mal por não estarmos também a viver aquilo – é o chamado FOMO, do inglês Fear Of Missing Out que significa “medo de ficar de fora”. Não porque X pessoa não nos convidou, mas porque nós não fomos, por exemplo, àquele concerto espetacular. Este “fenómeno” traz com ele outro – se não está nas redes é porque não aconteceu – e mais uma pressão se junta para criar toda vida digital maravilhosa que queremos pintar.
A nossa noção de beleza e sensualidade foi significativamente impactada pela cultura digital. É necessário ter cuidado com os aspetos negativos, como a pressão social, a comparação constante e ênfase na aparência perfeita. É importante encontrar um equilíbrio saudável entre a cultura digital e valorização da nossa própria individualidade e autoestima.
É urgente olharmos ao espelho sem filtros, sem pressões (próprias e do exterior) e reconhecermos em nós a beleza natural.