“Um terramoto no Vaticano”. Num mundo em que 1,2 biliões de pessoas são católicas romanas e 10% da população é homossexual, este foi o título que um jornal italiano escolheu para noticiar que o padre polaco Krzysztof Charamsa tinha assumido a homossexualidade. Aquele que ficou conhecido como “o padre homossexual que é feliz” foi afastado do cargo. E o evento leva-nos ao verão de 2013, quando o Papa Francisco perguntou aos jornalistas: “Se alguém é homossexual e procura o Senhor e a Sua boa-vontade, quem sou eu para julgar?”
Há, na verdade, um enorme contraste entre as reações às declarações de Francisco e o que este diz nas viagens ao estrangeiro. “Dentro da Igreja, ele é mais um Papa enfraquecido, que, em muitas matérias, não tem o apoio da maioria”, declara François Mabille, professor de Ciência Política.
Os críticos são consensuais: Francisco mudou o tom do papado, mas não tem feito nada para mudar os ensinamentos da Igreja sobre os abortos, a contraceção e o casamento homossexual.
Sobre o primeiro e o segundo ponto, o jornalista Paul Vallely defende que o Papa “pensa que o controlo da população é uma estratégia dos ricos, para garantirem que continuam a ter acesso a uma maior percentagem de recursos”.
Já sobre o matrimónio, Francisco é a favor das uniões civis, mas contra o casamento gay. A palavra-chave é “casamento”. E “casamento” é entre um homem e uma mulher.
A somar a isto, a ideia passa pelo argumento de que a adoção por parte de casais homossexuais tem que ser vista como uma questão dos direitos das crianças e não dos pais. O Papa está a dizer que a adoção gay “é errada, mas não o diz apontando o dedo de forma acusatória”, acrescenta Valley.
Afinal de contas, Francisco está a mudar realmente a Igreja Católica? Olhando para as afirmações do Papa, a resposta é afirmativa. No entanto, os dados apontam-nos um caminho completamente diferente, quando o subtexto é o objeto da nossa análise.
Com o papado de Francisco, inaugurou-se uma “igreja pobre para os pobres”. De facto, as ações do Papa vão ao encontro desta máxima: decidiu não viver no Palácio Apostólico, prescindiu de algumas das majestosas vestes papais e usa o autocarro.
Por outro lado, criou 15 novos cardeais, sendo que dois-terços não são europeus. Assegura-se, desta forma, que “os países em desenvolvimento terão uma voz significativa” na eleição do próximo Papa, declara Alexander Stille do The New Yorker.
Francisco também denunciou as vaidades da Cúria, utilizando expressões como: “patologia do poder”; “rivalidade e vanglória”; “bajulação dos superiores e oportunismo”.
Declarou, ainda, estar ciente da “urgência de oferecer lugares às mulheres na Igreja”. Contudo, estamos a falar do mesmo Papa que disse que “a porta está fechada” à possibilidade de as mulheres virem a ser ordenadas. Então, como podemos justificar esta incoerência? Sob o ponto de vista de Ed Stourton da BBC, a resposta é simples: São João Paulo II advogou que a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres e “é pouco provável que Francisco questione a autoridade do predecessor que ele canonizou”.
Compreende-se, assim, que a mudança é difícil de acontecer relativamente às questões fraturantes. Temos um Papa mais próximo dos pobres, mas que, sozinho, é incapaz de romper com o status quo.
Entretanto, toda a gente está à espera que as alterações substanciais assumam a forma de um édito papal. A título de exemplo, a generalidade da sociedade já não olha para a homossexualidade como um demónio moral: o polaco Charamsa está entre os 64% de católicos que afirmam que esta orientação sexual deveria ser aceite pela sociedade. Porém, os defensores desta ideia continuam à espera do édito de Roma que, tal como diz Charamsa, lhes permitirá “oferecer aos outros o dom do seu amor”.