É uma utopia a consideração que temos, pelo ato que carrega a ideia de que: “Estamos bem é sozinhos” ou “Estamos bem é solteiros”. Chegar a casa, colocar-se a chave à porta e perceber a efémera alegria que advém do silêncio que percorrem todos os cantos da casa é algo sublime. Até ao momento que na cama em que te deitas, enrolado em ti mesmo, confessas no silêncio a tremenda mentira que ninguém ouve, a tristeza que ninguém vê e as frases que soltas que ninguém atinge.
Ganhamos a coragem de produzir neste efeito que carregamos de consideração, por nós mesmos a fútil premissa, de que sozinhos conseguiremos. Conseguiremos pela força da ideia, pela força da razão ou teimosia. Conseguiremos pelas feridas, pelo sofrimento, pelas lutas que tivemos, pelo que ganhamos e até, pelo que perdemos. Conseguiremos pela consagração da própria frustração, que habilmente transformamos a nosso favor, como uma força de energia que nos cega de inverdades e presunções, de que nada precisamos, que ninguém queremos.
É o sentido máximo de proteção que nos acompanha desde a saída do útero da nossa mãe, que nos transforma ainda em crianças desejosas de segurança. Desejosas por um abraço, por uma companhia, por alguém que se faça ouvir e nos possa sentir. Que demagogia desinteressante, inconstante, de demência tal, subentender-se que sozinhos tudo conseguimos, tudo alcançamos, tudo podemos! A velha máxima da suposta autodeterminação solitária, reafirmada pelos gurus como expoente máximo da consagração da vida! Recordo-te na lembrança do Nós, pela manutenção da vida. E esqueço-me do eu pela presunção, que não desejo ter, de que vivo na inverdade, sem a memória do “Nós”.
Lembras-te? Dos andares em que viveste? Das campainhas que tocaste? Das vezes que o eu foi trocado pelo nós? O que é o eu sem um abraço dado? O que foi o eu sem a quantidade de toques, de sorrisos, de almas, de vozes, de esperanças, de memórias, de melodias? Lembras-te? Da necessidade dum beijo? Da busca por um amigo? Do reencontro de um sorriso? Lembras-te do eu sem nós? Como te poderias lembrar se nunca na realidade viveste de ti? Lembras-te da turbulência sentida nas paixões? Como te poderias lembras da unicidade quando te perdias na pluralidade? Dos amores tidos, vividos, perdidos? Lembras-te? O que é o eu… sem nós?
Lembras-te do toque? Da forma que comtemplavas na complementaridade? Do sentido que se dava à vida? Do barco carregado de sonhos? Dos desejos? Das esperanças? Lembras-te? Lembras-te do “Eu” ou do “Nós”? Lembras-te do que te fazia correr? Por quem tu lutavas? Porque tem prazerosamente ajudavas? Por quem em noites frias escolhia estar ao teu lado? Lembras-te do telefone tocar? Da voz que se ouvia e que nada se omitia? Lembras-te das mentiras tidas? Das traições geradas, mantidas? Das falsas companhias? Das lágrimas que por outros verteste? Lembras-te do eu… ou do Nós?
Lembras-te das palavras de uma mãe? De um afago de um pai? Lembras-te dos andares com vida, recheados de tempo dado, consentido, desejado, pernoitado, oferecido? Lembras-te do caminho efetuado? Das mãos que te seguraram, das vozes que se alarmaram, das trompetes que tocaram à tua passagem? Das vidas que se perderam? Dos conselhos que ficaram? E aqueles? Aqueles que sobraram? Lembras-te? Lembras-te do “eu” ou de “Nós”?
Lembras-te desses andares deduzidos como melodias tidas, de vidas feitas, de emoções desfeitas, de frases contidas? Esses andares que cantam vida, que produzem histórias, que refletem ideias, que ecoam romances?
Lembras-te? Pois se ainda te lembras…. recorda… não eras apenas tu! Nunca foste apenas tu. Enfim… recorda, para que na memória de uma solidão atroz… percebas… afinal… sempre fomos nós…