De tempos a tempos existem algumas palavras que passam a fazer parte do quotidiano. Palavras como: nacionalismo ou globalização. Por vezes são usadas de forma tão indiscriminada que chega a dar a ideia de que não sabemos muito bem do que falamos pela diversidade de contextos em que as aplicamos.
Na verdade, a avaliar pelo modo como empregamos estas palavras, até parece que estamos perante dois conceitos antagónicos e excludentes. É possível falar de nacionalismo num período de globalização? E o que significa ser-se nacionalista numa altura em que temos contato diário e frequente com produtos de outras culturas? O supermercado é um exemplo disto mesmo.
Globalização
A globalização tem que ver com as trocas aceleradas e continuadas entre os diversos povos. O supermercado é uma materialização disto mesmo. Ao lado das laranjas de Espanha (há quem diga que são portuguesas, mas isso será outra história) ficam pêssegos do Paraguai; ao lado do syrup canadiano, podemos encontrar fuba angolana ou noodles ao estilo tailandês.
A globalização promove um intercâmbio cultural e de conhecimento incomparável, mas manifesta uma certa hierarquia de poderes. A fuga dos cérebros tem como destino países ocidentais, pela elevada procura que existe nas nossas sociedades por esse recurso; não raras vezes, os maiores beneficiários da globalização são os países do Ocidente e quem suporta o custo do desenvolvimento ocidental são os países não desenvolvidos.
Uma forma de observamos esta tendência de norte para sul, ou oeste para leste, é através da TV. Mesmo numa remota localidade do Chile, os seus habitantes conhecerão as tendências nos filmes e séries e não será estranho que filmes norte-americanos estejam a passar, enquanto os filmes de Bollywood ou Nollywood sejam relativamente desconhecidos. Do mesmo modo que não será estranho ver alguns índios da Amazónia a vestirem-se como se de ocidentais se tratassem.
Nacionalismo
O nacionalismo é relativamente recente, no sentido em que exalta características de um povo que perdurou no tempo por longos séculos. De um modo geral, é aceitável definir nacionalismo como a ideologia que procura exaltar as características de um povo (nação) que se considera distinto de outros. Por consequência, a cada nação deve corresponder um Estado que é soberano e, por isso, não reconhece outra entidade como superior (Estado-Nação).
Em momentos de grande tensão, como acontece durante as crises económicas, os sentimentos nacionalistas emergem, resultando num aumento das convicções que promovem o sentimento de pertença a esta nação, por oposição a uma “ameaça” externa; seja a ameaça que resulta do domínio financeiro sobre um Estado que se vê na obrigação de abdicar da sua soberania em troca de financiamento, seja pela ameaça que o comércio agressivo de um outro povo que coloca em causa a hegemonia de uma superpotência.
O nacionalismo alicerça-se na oposição entre quem faz parte de um povo contra quem não faz parte. Como não é possível encontrar um povo que não tenha tido intercâmbios com outros, a cidadania foi a resposta criada à pergunta: Quem é de um determinado povo e quem não é? A cidadania traz vantagens que estão vedadas a um imigrante. Embora o imigrante contribua para a economia nacional, regra geral, não pode escolher quem definirá as políticas do país em que se encontra.
Fará sentido falar em nacionalismo em pleno momento da globalização? É uma pergunta que obriga a uma resposta complexa e demorada. O nacionalismo e a globalização coexistem há alguns séculos, sem que com isso um anule outro. Se é verdade que a globalização permitiu que algumas pessoas conseguissem sair dos seus pobres lares para se unirem a uma força de trabalho noutro país para procurarem melhores condições para si e para os seus, também é verdade que esta mesma globalização continua a revelar as antigas hierarquias de poder colonial, de onde emana a cultura dominante que se difunde pelas várias partes do globo.
Fará sentido falar, antes, num nacionalismo ocidental globalizado pelo modo como se difunde uma cultura, valores e gostos que se creem como padrão para todos os povos. A globalização será tanto mais benéfica quanto mais trocas se derem em duplo sentido e não apenas beneficiando alguns em detrimento de outros, até porque os melhores momentos da humanidade se deram em períodos de intercâmbio entre iguais. O nacionalismo é, tendencialmente, excludente e promove uma hierarquia de poderes que se manifestam em guerras, comerciais ou não, e numa lógica de exploração de recursos que vai além fronteiras.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico