Tempos

O tempo não dá tréguas. Avança e nunca recua. Deixa as suas marcas, profundas, sulcadas, fortes. Torna-se íntimo, não nos abandona. Incomoda. De nada serve tentar esconder aquele pensamento que ele é especialista em encontrá-lo. E remexe naquilo não queremos, naquilo que tentamos tapar e deixar no fundo, muito fundo, tão fundo que acaba por se soltar, como um vulcão que se expressa ao explodir.

Sempre houve bem e mal-amados, aceites e rejeitados, bonitos e feios, magros e gordos, trabalhadores e preguiçosos. A História não fala dos desprotegidos, dos fracos, dos que não têm voz. Enaltece os que chegaram mais longe e esquece os que os levaram a este nível. É injusto que quem tenha trabalhado não receba a recompensa e, quem não tenha, usufrua dos louros. Não se entende esta injustiça que prevalece ao longo dos tempos. E não é só um tempo, são múltiplos, recheados de revoltas e tormentas.

Mas afinal o que é o tempo? Contagem de segundos, de minutos, de horas, de semanas, meses, anos, décadas, séculos. Tudo passa, mas o tempo fica, como o vento que persiste e quer derrubar a única folha que está na árvore. A noção que temos de tempo hoje é diferente da que existia no passado. Já não nos guiamos pelas colheitas nem pelo nascer do sol, mas sim por estações do ano, bem compartimentadas, horários rígidos e apertados e prazos a cumprir. Andamos sempre tão atarefados que nem nos lembramos de nós, mas somente daquela sombra, daquele perseguidor que nos atormenta.

Ontem, hoje e amanhã não são palavras ocas. Têm significados variados, valores singulares e particulares e cada um faz a sua análise, o seu balanço. Ontem foi um simples dia para muitos, mas, para alguém, pode ter sido marcante, pode não ter chegado a hoje. Hoje é agora, está a acontecer, é o momento. O ontem é uma recordação, aconteceu. O amanhã está ainda para vir. São os planos, os sonhos, os desejos de que aconteça. A vontade de lá chegar, de se poder concretizar.

As alterações despoletadas pelos Descobrimentos levaram à elaboração de um calendário, de um plano que devia ser concretizado e cumprido. E, na época contemporânea continuamos reféns de tudo aquilo que fomos criando e que nos escravizou. Tantas conquistas, tanto mar, tanto continente, tanto horizonte e acabamos por ficar mais apertados, mais curtos, mais pequenos, fechados numa redoma de fronteiras e de obrigações.

E, sem o saber, enquanto estava a escrever esta crónica, aconteceu um atentado em Nice, num tempo contemporâneo, numa verdade tão difícil de entender. A Europa está a ficar fragmentada, estraçalhada, violada! Estamos a falar de tempo, de pessoas, de seres humanos e não de conjuntos de órgãos que não pensam, que não têm sensibilidade, que acreditam que podem fazer tudo o que entenderem.

Não é uma questão de Deus, de fé e muito menos de religião. É um tempo de reflexão, um tempo que nos obriga a estar constantemente atentos e alerta como se o estado de guerra nunca mais acabasse.

Ontem foi o último dia para estas pessoas inocentes, hoje é dia do nosso grito de revolta, de raiva e de ira completa. Amanhã não sabemos, mas queremos que tais situações não se repitam e que o clima de paz seja restabelecido. Mas hoje choramos por eles e muito.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

A sombra de outros homens

Next Post

Adeus Reino Unido, até depois

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Sociedade em Dó maior

Escrevo este texto ao som de Mozart. É uma das minhas companhias favoritas para escrever. Não faço questão que…