Se O Gabinete do Doutor Caligari inicia uma época, Fausto promove o seu fim. O expressionismo alemão de Friedrich Wilhelm Murnau, mostrado também em Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922) atinge um momento de crise com a adaptação da obra do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
Apesar de ser baseada no ex-libris da literatura germânica, a película protagonizada por Gösta Ekman, não foi recebida com êxito pelo público, nem pela crítica da época. Os espectadores, já habituados a enredos que abundantemente trabalhavam luz e sombra, estavam mais preocupados com uma Alemanha em mudança, sendo um dos seus factores, a propagação da ideologia nazista.
O ponto de partida deste filme é muito simples: um velho assina um contrato, com o seu próprio sangue, com o Diabo, decidido em corromper a sua alma, após uma aposta com um anjo. Por sua vez, o homem, de nome Fausto, serviria o demónio por 24 anos, sem envelhecer. Ao entregar-se aos prazeres mundanos seria, no fim do prazo, levado para o inferno. Porém, ‘o amor sempre vence’. Fausto apaixona-se por Gretchen e, no final do filme, ambos são salvos da fogueira para viverem ‘felizes para sempre’.
O filme moralmente comum e até um quanto cliché, sobressai pela influência que teve sobre a obra de outros cineastas, desde logo Alfred Hitchcock, enquanto base do género noir, muito em voga na América dos anos 40/50.
A cena de abertura seja talvez um claro exemplo. O conflito (metafísico) entre o bem e o mal é mostrado pelos cenários – cerne de todo o expressionismo alemão, aqui num trabalho de Robert Herlth e Walter Röhrig -, mas também pelo jogo da luz (Anjo) e a sombra (Mefistófeles). Segundo o anjo, a raça humana pertence a Deus, mas como percepcionado no início, o Diabo têm-na debaixo dos seus pés.
A capa negra de Mefistófeles revela como este quer disseminar o povo de uma pequena localidade medieval. A personagem é um estereótipo do inconsciente e de todos os nossos medos, sendo a peste negra o mortífero. A angústia de Fausto, preso a um corpo que não lhe pertence, é reveladora da mesma sensação sentida pelo espectador, quando um quadro expressionista lhe capta a atenção. Tal como em todo o expressionismo, é evidente uma distorção da realidade, que sustenta o fim de um período de cinema, ele próprio que se alimentará da lenda que se baseia.
Um facto é que a poderosa realização de Murnau coloca-nos frente a frente com o bem e frente a frente com o mal. Somos capazes de ver tudo a olho-nu, tal como na pintura expressionista.
Esta foi a super-produção mais cara da UFA (Universum Film A.G.) – até Metropolis (1926), de Fritz Lang -, os gastos com o filme não retornaram nas bilheteiras. Todavia, não deixa de ser obrigatório para qualquer amante de cinema.
De revelar também o facto de que, após este filme, Murnau emigraria para os EUA, onde realiza, em 1927, Aurora (título original: Sunrise: A Song of two Humans) protagonizado por George O’Brien e Janet Gaynor, o seu primeiro filme em Hollywood. Este, considerado também a sua derradeira obra-prima, venceria, dois anos depois, 3 Óscares da Academia, incluindo o prémio de Melhor Filme.
Ficha técnica
Ano de Produção: 1926/ Título português: Fausto/ Título original: Faust: Eine deutsche Volkssage/ Realizador: F.W. Murnau/ Argumento: Gerhart Hauptmann & Hans Kyser/ Elenco:Gösta Ekman, Emil Jannings, Camilla Horn, Frida Richard, William Dieterle, Yvette Guilbert/ Música:Wolfgang Dauner/ Duração: 85 minutos