Não houve propriamente um início, um ponto de partida, uma rampa de lançamento, uma cerimónia de fogo de artifício ou chá dançante. Nem houve tão pouco uma cerimónia de lançamento, com passadeira vermelha, catering, orquestra ou um orador de honra.
Não houve certamente uma data anunciada, marcada a ouro num calendário que se pudesse festejar nos anos vindouros ou antecipada nos meios de difusão das cidades, ou qualquer direto de antena mundial ou nacional. Não houve nada e mesmo assim quase houve tudo nas veias de sons que aguardavam novo oxigénio.
Contudo, a coisa deu-se quase sem se dar por ela, como se um “chefe” de cozinha, um mestre cuca criador de sons, sabores e fragâncias misturasse tudo num caldeirão enfeitiçado e os vapores… Oh, senhores! Os vapores dançavam, pulavam e conquistavam o espaço, inebriando o tédio que se desfazia em poeiras de um tempo que se perdia.
Naquele caldeirão que fervia ao sabor dos dias, meses e anos, o “Chefe”, pobre Diabo, misturava um pouco disto, um pouco daquilo, um Country de lágrimas vertidas e despidas de risos, um blues negro de sons lentos como a chuva de fim de estação, como um rio Mississipi, beijando a bela Memphis em juras de amor de poucos refrões e quadras perdidas.
Passavam poucos momentos, segundos, minutos, dias… Quem conta quando o Diabo apronta? E 1950 crescia e o Rock nascia!
E o Gospel angelical, que ainda se entretinha na luz branca da calmaria e dos gritos à oração, foi cedendo à sombra dos amplificadores dos refrões curtos, o Rock n Roll mexia com a média, que atarantada assim dizia: Oh, Yeah!
Enquanto Deus estava distraído, nas Óperas das coisas, nas Valsas, no Chá Chá Cha de uma Cuba, (sem um puro Cubano que Ele não se dá a vícios mortais), “Engañadora” de criação divina de Enrique Jorin (embora a mestria seja toda de Gonzalez de dedos compridos nas carícias das teclas de um piano), o outro, a coisa tinhosa, aquele que já nem lembra o nome criava num bater de palmas a voz perturbante de um novo rei terreno. Na linha de um Chuck Berry, pai dos acordes nem Blues nem Soul, a coisa tinhosa cria um Rei sem castelo, sem trono, mas com o retorno de saias voadoras e gritinhos de tentação, ou direi antes de exclamação nos falsetes e falsos olhares que Elvis agora insinuava num “Jailhouse Rock” de brilhantina, calças justas e movimentos de anca do Demon, daquele traste de quem Deus se esquecera.
Do caldeirão para a rapaziada a coisa era servida em discos e discos, milhares de discos a saírem dos velhos fornos das editoras, que já largavam os sons gastos e ultrapassados para servirem o novo Rei e novas glórias.
Este pulsar enérgico que pulava dos bares de cheiro a whiskey clandestino e barato, para os novos espaços de jovens “cleans and healthys” e para novas danças, novos rituais.
No fundo para as “Suspicious Minds” de Elvis, num “Tutti Frutti” do Little, mas grande Richard. Provavelmente num plano orquestrado pelas gentes do mal (tal som, tão tentação, tal devoção não era coisa de razão, de Deus de glorificação, mas vil perdição).
E o Rock já teenager surgia do outro lado, das terras de outro reino, de outra rainha na voz de 4 cabeludos de Liverpool, que provocavam desmaios, embaraços, versos trocados e refrões enamorados.
Direitinhos, engomadinhos, impecáveis em palco, certinhos na câmara, a preto e branco e os singles a esgotarem, as actuações a baterem recordes e as digressões abertura de noticiários The Beatles e de repente Deus percebeu, amuado que o “Twist” era coisa satânica de dança alegre e Teen, já não era só dança, era independança (desculpem GNR, mas esta estava a pedi-las) e os quatro foram aos States e a imprensa gemia Beetlemania.
Já os céus se davam por rendidos e vieram os 60, o Rock ganha pelo na cara, barba de metro e meio e Jim traz os The Doors! Numa provocação aos mortais, puxada dos quintos do inferno o diabo ri! Led Zeppelin inventaram um timbre que nem Bee Gees se lembrariam e os 70 à porta.
Alto que o ataque ainda não estava completo, os lábios, os grossos lábios vermelhos carne de Mick Jagger cantariam “simpathy for the Devil” num tributo Rolling Stones à coisa vil (há quem afirme, não eu que não sou pessoa de diz que disse, que foi pacto para vida eterna e o Mick ainda está por aí).
E foi assim 70 e 80. Oh, que década de clips de gosto duvidoso, laca e pouco glamour (há quem diga, não eu que não sou pessoa de leva e traz), que o diabo lhes começou a tirar a roupa.
E por cá, em terras lusas nesta lufada de ar fresco (bendito 1974), firmes espectadores do que nos chegava de fora, temíamos engavetar o Sérgio Godinho (Que força é essa camarada?), a Tonicha a zumbar na caneca e timidamente lá fomos seguindo a pequena estrada que os Tantra abriam, com vontade, com genica, mas sem muito know-how. No entanto, o Punk já existia meio clandestino, coisa do Demon certamente. Eu não soube, mas ouvi dizer. Não que eu seja pessoa de mexericos que em Sagres um Represas mudava a agulha dos Trovante para uma cena mais rock, e, no entanto, o álbum tem título de baile.
Contudo, se em Almada a coisa já era séria com UHF perdidos na Rua do Carmo, a Norte o Chico Fininho de Rui Veloso, emparelhava com os Taxi (não os de tejadilho verde, esses já cá andavam há mais tempo, mas os outros o disco de ouro, primeiro dizem, Português).
Irritado Ele lá no alto, nas nuvens perdido, numa tentativa pacífica de matar a coisa visceral de guitarras e som insano, inventou o Pop, rock mais… Moderado, mais lavado, mais branco mostrado, menos irado.
Contudo, veio 1991 com pratos quentes de Metallica, Motorhead, REM, Pearl Jam, Blur… O ano louco do Demon. Um “Full Hand”, uma mão de trunfos e a coisa ganhou e nós os amantes disto, deste som, com mais ou menos pimenta, mais ou menos Iron Maiden, mais ou menos riffs perdidos amamos e por cá já não se canta só o Fado, que vai tudo a Xutos & Pontapés.
Agora caro leitor que sabe como isto começou, talvez um dia me escreva, no futuro como tudo isto acaba, mesmo se eu não estiver por aqui, que demore uma Eternidade a se acabar.