10 de Julho de 2008, para a Humanidade esta data é igual a outra qualquer. Para mim não. Quase oito anos depois, conto o dia que mudou a minha rotina.
Neste dia, o “meu mundo” mudou. Aquilo que para mim se resumia às minhas quatro paredes, alargou-se para lá do quintal. Ganhei uma nova vida, mas, como não há nada fácil neste mundo, esta adaptação a esta nova realidade, também não o foi, mas vamos por partes.
Dois ou três dias antes desta data, soube que a Junta de Freguesia teria uma rampa de acesso e que o Sr. Presidente desta entidade, o Sr. Luís Romão, queria que eu fosse inaugurá-la. Obviamente, senti-me honrado e orgulhoso. Dois dias antes, fui até à rampa e subi-a com a minha cadeira manual. Afinal de contas, tinha que treinar a passagem pela rampa.
Mas o propósito era outro. A intenção era eu receber uma cadeira de rodas eléctrica de surpresa. Mas numa terra como a nossa Madeira, seria missão impossível. Acabei mesmo por saber antes de tempo.
Como já tinham tentado o mesmo quando eu estava no 8º ano e eu acabei por saber, só tinha de fazer cara de surpreendido, mas este momento era especial. Aquela cadeira era o meu “passaporte” para sair de casa autonomamente.
Chegou o dia. Fui para a inauguração extremamente ansioso e nervoso. Para prolongar a ansiedade, primeiro foram inaugurar um nicho (uma espécie de altar) a S. Tiago. O tempo parecia que não andava. Terminado este momento, comecei a cair na realidade que o momento se aproximava.
Por fim, chegámos ao grande momento. Com a ajuda do meu pai, passei para o meu novo veículo, mas sentia-me quase que hipnotizado. Para mim, aquele momento não existia. Era tudo um sonho e que ia acabar em breve, mas era real e bem real.
Depois de estar sentado na cadeira, o vendedor esteve a explicar como funcionava e lá fomos nós para a primeira viagem. Subi a rampa bem devagar sempre com ele a acompanhar. Ia bem devagar por ser a primeira vez e o manípulo de conduzir estava do lado direito. Sendo eu esquerdino, não me favorecia nada. Lembro-me de estar no ponto mais alto da rampa e olhar para baixo e as pessoas presentes estarem todas a olharem. Senti-me o centro das atenções, o que convenhamos, não é das melhores coisas, na minha opinião. Desci a rampa, cheguei ao fim e a única coisa que me ocorreu dizer foi:”Está inaugurada!”. Deram uma salva de palmas e dispersaram para outros motivos de interesse. Eu ali fiquei com o meu pai e o vendedor a ultimar pormenores tal como a passagem do manípulo para o lado esquerdo. Sempre acompanhado pelo vendedor, fui até à frente do palco onde discursaram o Sr. Presidente da Junta de Freguesia, um dos vereadores da Câmara Municipal e o Presidente da Assembleia Regional. E foi durante o discurso do Sr. Vereador que comecei a cair na realidade. Ele ao dizer que a cadeira iria servir para que eu fosse autónomo, a minha mente saltou para o dia seguinte. O que faria com a cadeira? Seria capaz de sair de casa só? Eram tudo questões que me saltavam à mente.
Tudo isto porque há uns treze anos atrás, foi-me oferecido um triciclo motorizado e a aventura acabou por não correr muito bem, pois tive um pequeno acidente. A partir daí, fiquei com aversão à moto e deixei de andar. Sentia-me seguro em casa. E agora a cadeira ia obrigar-me a sair. Naquele momento, aquela ideia era aterradora. No entanto, tinha que superar o meu medo.
Tomei a iniciativa e nesse mesmo dia, ainda durante a comemoração, pedi à minha mãe para darmos uma pequena voltinha pela Junta de Freguesia, pois havia uma exposição de fotos. Lá fui com a minha mãe a acompanhar e também seria uma forma de adaptação à cadeira. Andei sempre na velocidade mais baixa e mesmo assim, essa já me parecia muito rápido. O resto do dia foi muito bom, com as pessoas a felicitarem-me pela minha nova “companheira” de vida. Resumindo, foi um dos dias mais felizes da minha vida.
E isto tudo para mostrar que uma simples cadeira eléctrica pode alterar a vida de uma pessoa deficiente radicalmente. Tornei-me autónomo (independente é outra coisa), criei o meu próprio círculo de amigos, apaixonei-me, mesmo que erradamente, e deixei de depender na totalidade de alguém para ir ao futebol. E ainda tive a experiência de fazer reportagens para um jornal.
Nunca tinha pensado muito na possibilidade de ter algo assim. Vivia feliz no meu mundo… até perceber que não!