Humano, da sua génese taxonómica Homo sapiens, traduzido do latim como “homem de sabedoria”, caracteriza-se pela posição erecta, locomovendo-se em dois apoios, e por ser dotado de inteligência, permitindo-lhe desenvolver compreensão e diversas formas de linguagem complexas.
Capaz de se adaptar aos inúmeros desafios do quotidiano, o ser humano foi obrigado ao longo do tempo a converter as suas habilidades físicas, em busca da subsistência, em habilidades intelectuais e sociais, que o permitam sobreviver num mundo socialmente competitivo e desafiador, em que as aparências do que se é e se tem se transformam em bens mais válidos e valiosos que os princípios humanos básicos.
Seremos nós vítimas de nós próprios ou de uma pressão social adoptada pela identificação de pares?
Larguemos as falsas modéstias e a humildade indefesa e assumamos que a pressão social é apenas uma premissa que usamos como justificativa para tornar viável a nossa exposição, através de uma folha de vidro com n polegadas e com uma resolução de falso pudor x publicidade gratuita.
Vivemos reféns das políticas e do que bem parece a uma sociedade que se mostra cheia de valores ocos, mas que os apregoa e que critica quem não os veste ou não os grita.
Nos anos 90, entoava-se “aí estes são os filhos da nação”, citando um grupo musical “Quinta do Bill”. Sabíamos na altura a que nação pertenciam esses filhos? E a que nação pertencemos nós agora que somos os filhos crescidos daqueles tempos?
Somos balizados por panóplias de regras e de valores distorcidos à mercê de quem se julga ordenador e ditador de constituições e leis que pouco ou nada se souberam adaptar à evolução da espécie e da realidade dos dias em que vivemos.
Vejamos que, 152 anos após a libertação de todos os escravos cativos em Portugal, nos anos 2000 voltamos a deixar-nos escravizar por uma manipulação electrónica que nos inquieta e nos alicia a ficar pegados a ecrãs e teclados, fundindo-nos neles, a ponto de esquecer pessoas reais e da interação e familiarização, cuja evolução da nossa espécie demorou e permitir desenvolver. Hoje tornamo-nos irracionais ao ponto de nos deixar seguir por instintos, fazendo-nos regressar aos primórdios da espécie, em que a caça pela popularidade dos “likes” e seguidores se iguala à caça por alimentos.
Este fenómeno tornou-se mais evidente com o surgimento da pandemia provocada pelo novo coronavírus – SarSCoV2 – enclausurando-nos em casa, desprovidos do contacto físico, tendo como ferramenta única de interação com o mundo exterior através de computadores, telemóveis e da evolução das redes de comunicações, com especial atenção à Internet®️. Com uma esperança que não acabava, fomos gradualmente perdendo o contacto próximo e fomos ficando dotados de um isolamento imposto que nos tornou mais individualistas e centrados em nós e na virtualidade das relações e da própria vida. Deixamos de saber/ poder interagir, de comunicar “in vivo” e até de cumprir afectos e gestos tão simples quanto um abraço ou um aperto de mão. A circunstância obriga-nos a evitar o toque e a negar a partilha de emoções e estados de euforia ou tristeza com os demais, pelo medo da propagação desta pandemia.
E não seremos nós os agentes de uma nova pandemia? De um alienamento das emoções e daquilo que nos torna únicos, na evolução da nossa espécie?
Seremos o projecto que delineamos para a nossa vida futura? Ou somos apenas fruto do projecto que a sociedade nos obrigou a desenhar?
Queremos manter uma vida “na linha” onde tudo parece bem e onde as exigências do dia a dia são cumpridas, sem que nos lembremos que o aceite pode não ser o ajustado?
O século XXI mostra-se como esboço de eternos e vastos desafios para cada um de nós. Saberemos enfrentá-los com a resiliência e com a força que nos é exigida?
O século XXI exige que sejamos perseverantes e conscientes dos nossos valores e das nossas potencialidades; que sejamos capazes de enfrentar as diversas provações e provocações a que somos sujeitos, na potencialidade de transformar a nossa vida em algum real e significativo para nós, sem que os outros sejam afectados por isso.
O século XXI exige que sejamos capazes de reunir as características, pelas quais os nossos antepassados lutaram e viveram, que nos conferem a particularidade e nos tornam únicos – capazes, seguros, destemidos e residentes.